03.07.2013 Views

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 115-121, <strong>de</strong>z. 2006<br />

multiplicida<strong>de</strong> se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o<br />

leitor [...].<br />

Sen<strong>do</strong> neutro, o narratário se aproxima, como postulou Barthes, menos <strong>de</strong> uma<br />

personagem concreta e mais <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s.<br />

Ao exigir a cooperação <strong>do</strong> "senhor" e <strong>de</strong>screver o mesmo como sen<strong>do</strong> um amigo,<br />

Riobal<strong>do</strong> coloca em questão duas outras características <strong>do</strong> leitor. Este, não apenas<br />

segun<strong>do</strong> Barthes mas conforme um paradigma atual <strong>de</strong> recepção literária, 1 tem uma<br />

interpretação ativa daquilo que lê e é muito possível que sinta empatia e se i<strong>de</strong>ntifique<br />

com uma história envolvente. Mas se a relação <strong>do</strong> homem da cida<strong>de</strong> com seu anfitrião<br />

também inclui a discordância, a relação <strong>do</strong> leitor com o texto não foge a isso. Muitas<br />

vezes estranhamos um livro, discordamos <strong>do</strong> que lemos. Vimos que o próprio<br />

Guimarães Rosa valorizava tais <strong>de</strong>sarmonias e freqüentemente propunha obras que, a<br />

princípio, incomodavam o público.<br />

Quan<strong>do</strong> escreve, um autor consciente ou inconscientemente é força<strong>do</strong> a <strong>de</strong>cidir o<br />

que, daquilo que tem para dizer, po<strong>de</strong> ou não ser publica<strong>do</strong>; o que é universal e o que<br />

é particular; o que po<strong>de</strong> fazer senti<strong>do</strong> para o público e o que faz senti<strong>do</strong> apenas para si<br />

mesmo. Para o escritor <strong>de</strong> uma obra, seu público representará, não raro, a alterida<strong>de</strong>.<br />

Esse é um outro aspecto <strong>do</strong> leitor que, em Gran<strong>de</strong> sertão: veredas, também po<strong>de</strong> ser<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> ao <strong>do</strong>utor da cida<strong>de</strong>. Encarnan<strong>do</strong> a alterida<strong>de</strong> <strong>de</strong>moníaca, esse estranho<br />

permite ser associa<strong>do</strong> a uma <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, a uma quebra radical, a uma queda <strong>de</strong><br />

nossos i<strong>de</strong>ais, enfim, presente em alguns processos <strong>de</strong> leitura mais <strong>de</strong>sestabiliza<strong>do</strong>res.<br />

Finalmente, quan<strong>do</strong> lemos, naturalmente julgamos uma obra. E o texto, com o<br />

objetivo <strong>de</strong> influenciar tal julgamento, nos faz objeto <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> sedução. As<br />

palavras <strong>de</strong> Barthes a respeito <strong>do</strong> leitor po<strong>de</strong>riam muito bem ter si<strong>do</strong> pronunciadas por<br />

Riobal<strong>do</strong> em relação ao seu visitante:<br />

[...] esse leitor é mister que eu o procure (que eu o 'drague'), sem saber on<strong>de</strong> ele está.<br />

Um espaço <strong>de</strong> fruição fica então cria<strong>do</strong>. Não é a 'pessoa' <strong>do</strong> outro que me é necessária, é<br />

o espaço: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma dialética <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> uma imprevisão <strong>do</strong> <strong>de</strong>sfrute: que<br />

os da<strong>do</strong>s não estejam lança<strong>do</strong>s, que haja um jogo (BARTHES, 1996, p. 9). 2<br />

Da ficção <strong>de</strong> Rosa, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>m-se contribuições muito mais efetivas sobre a<br />

leitura <strong>do</strong> que as i<strong>de</strong>alizadas pelo autor e mesmo <strong>do</strong> que as proposições instigantes <strong>de</strong><br />

Barthes. Nela vemos instituí<strong>do</strong> um mo<strong>de</strong>lo varia<strong>do</strong>, plural <strong>de</strong> leitura, que tem<br />

resulta<strong>do</strong>s práticos na nossa recepção <strong>do</strong> texto. Não queremos dizer com isso que Rosa<br />

procura guiar nossa leitura <strong>de</strong> seu texto através <strong>de</strong> linhas mestras fornecidas pelo<br />

narratário. Muito pelo contrário, procuramos, e não achamos, no romance rosiano,<br />

caminhos que nos guiassem a uma interpretação segura <strong>do</strong> texto. Nesse senti<strong>do</strong>,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer que temos em Gran<strong>de</strong> sertão uma leitura falha: falha como a vida <strong>de</strong><br />

Riobal<strong>do</strong>, que não experimentou em sua juventu<strong>de</strong> o amor que ambicionava; falha<br />

como a narrativa elaborada por esse protagonista, que não foi capaz <strong>de</strong> recuperar seu<br />

passa<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong> ou aliviar sua consciência; falha como rio que não chega ao mar, um<br />

rio bal<strong>do</strong> (LIMA, 1969, p. 71); falha como a escritura <strong>de</strong> Barthes que, segun<strong>do</strong> o<br />

próprio, não compensa nada, não sublima nada, (BARTHES, 2003, p. 161). Enquanto<br />

leitores <strong>do</strong> livro, somos her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> todas essas faltas, nossa leitura não será nunca<br />

completa. Mas talvez seja justamente nesse hiato que uma nova escritura po<strong>de</strong> surgir.<br />

Resta-nos fazer como indicou Barthes e dar prosseguimento a essa aventura.<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

119

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!