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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 22-28, <strong>de</strong>z. 2006<br />

O que parece é que a subversivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> discurso em Aula torna-se também um<br />

exemplo da noção particular <strong>de</strong> língua e literatura em Barthes. Compagnon diz, no<br />

texto “Lequel est le bon?” (), com muito acerto, que não é<br />

possível estabelecer rigidamente essa diferença. Enten<strong>de</strong>-se, porém, que Barthes<br />

também não estivesse preocupa<strong>do</strong> em estabelecê-la. As suas <strong>de</strong>finições parecem<br />

escapar a noções fechadas. O próprio texto Aula não é literatura no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ficção,<br />

mas também não é um discurso acadêmico nos mol<strong>de</strong>s tradicionais; e, se não se<br />

consegue encaixá-lo em uma <strong>de</strong>signação, é possível, não obstante, sentir sua força<br />

provoca<strong>do</strong>ra, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subversão <strong>de</strong> sua teia discursiva, o que, talvez, faça <strong>de</strong>le<br />

um texto <strong>de</strong> língua “ativa” (para usar a própria expressão <strong>de</strong> Barthes, indicativa <strong>do</strong><br />

texto subversivo), bem como <strong>de</strong> uma pístis eficiente. A eficiência da pístis em Aula, no<br />

entanto, parece não se dar no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se convencer da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia<br />

ou uma teoria fixas. Uma parte <strong>do</strong>s leitores <strong>de</strong> Barthes diz que essa eficiência é<br />

coerente com o procedimento <strong>do</strong> autor, se se consi<strong>de</strong>ra a sutileza <strong>de</strong> um sujeito que<br />

está em constante <strong>de</strong>slocamento tão logo o que um dia foi subversivo se estabilize. Há<br />

quem critique tal postura, alegan<strong>do</strong> ser isso uma escora <strong>de</strong> crítico que não quer<br />

assumir a sua fala. Foge aos objetivos <strong>de</strong>ste trabalho estabelecer juízo <strong>de</strong> valor a<br />

respeito <strong>de</strong> Roland Barthes e <strong>de</strong> sua obra. Mas o certo é que ele rompe com aquilo que<br />

se conhece por pacto <strong>de</strong> leitura e mistura os gêneros, <strong>de</strong>sestabilizan<strong>do</strong> um pouco seu<br />

leitor.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer mesmo que muitas das dificulda<strong>de</strong>s da leitura <strong>de</strong> Barthes advêm<br />

das suas constantes mudanças. Por exemplo: embora, em O grão da voz, ele atribua<br />

um caráter reacionário à máthesis e à mímesis, fazen<strong>do</strong> com que somente a seméiosis<br />

assuma um senti<strong>do</strong> mais libertário, em Aula e em outros textos, fica clara a<br />

singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> uso <strong>de</strong>sses termos; quanto à máthesis e à mímesis, para Barthes,<br />

respectivamente, o texto não funciona como um instrumento e não representa o<br />

mun<strong>do</strong>. Daí, mais uma vez ser inadmissível consi<strong>de</strong>rar, com Compagnon, a mimese<br />

repressiva em Barthes, sem que pelo menos se especifique <strong>de</strong> qual mimese se está<br />

falan<strong>do</strong>.<br />

De um mo<strong>do</strong> geral, em relação à mimese, po<strong>de</strong>-se falar em três gran<strong>de</strong>s direções<br />

no que concerne à referência, respeitan<strong>do</strong>-se, é claro, diferenças menores entre (e<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>) <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s, bem como as próprias características individuais.<br />

Grosso mo<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer, então, que a arte, em geral, preten<strong>de</strong>u voltar-se para o<br />

mun<strong>do</strong> exterior ao indivíduo, para o mun<strong>do</strong> interior <strong>de</strong>ste ou para a própria arte.<br />

Dos autores em questão, Platão assenta-se nesse primeiro caso, se se pensa, por<br />

exemplo, que a literatura, para ele, é cópia; ressalvan<strong>do</strong>-se, embora assim, que sua<br />

mimese não correspon<strong>de</strong> exatamente à imitatio, pois o filósofo <strong>de</strong>monstra consciência<br />

da astenia <strong>do</strong> lógos. Já Barthes agrupa-se no último, se se lembra que está o tempo<br />

inteiro a negar a referência exterior à própria arte. Compagnon, por sua vez, embora<br />

<strong>de</strong>termine que seguirá um caminho entre a referência ao mun<strong>do</strong> ou à própria literatura<br />

(e <strong>de</strong> certa forma o segue, quan<strong>do</strong> apresenta posições extremadas), parece estar<br />

sempre mais próximo ao mun<strong>do</strong> que à literatura (e não se está dizen<strong>do</strong> que isso seja<br />

ruim), apresentan<strong>do</strong> muitas contraposições, em seu livro O <strong>de</strong>mônio da teoria, aos<br />

teóricos, principalmente a Barthes, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a irreferencialida<strong>de</strong>.<br />

O problema maior, então, no livro <strong>de</strong> Compagnon, em geral, e na análise <strong>de</strong><br />

Platão e Barthes, em especial, parece ser mesmo a ausência <strong>de</strong> contextualização e <strong>de</strong><br />

distinções necessárias. Compagnon compara a mimese em Platão e Barthes, mas<br />

reconhece que para que ela receba qualificativos tão distancia<strong>do</strong>s (subversiva e<br />

repressiva, respectivamente), não se trata da mesma noção. Se essa assertiva, no que<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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