Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Resumo<br />
Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 157-163, <strong>de</strong>z. 2006<br />
Histórias que nossas Mães não nos Contaram:<br />
o revisionismo feminista <strong>do</strong>s contos <strong>de</strong> fadas<br />
Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />
Maria Cristina Martins<br />
No presente ensaio, discuto uma forma <strong>de</strong> escrita revisionista<br />
empregada por várias escritoras contemporâneas ao<br />
reescreverem ou relerem contos <strong>de</strong> fadas tradicionais <strong>de</strong> forma<br />
transgressora ou subversiva, a partir <strong>de</strong> uma ótica<br />
marcadamente feminista e aponto algumas das estratégias<br />
narrativas revisionistas i<strong>de</strong>ntificadas nesse processo <strong>de</strong><br />
revisão.<br />
Palavras-chave: Revisão. Contos <strong>de</strong> fadas. Feminista.<br />
Estu<strong>do</strong>s contemporâneos revelam que, embora os contos <strong>de</strong> fadas, em suas mais<br />
diferentes manifestações, tenham si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong>s como repositório <strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria<br />
feminina, essas histórias infantis, aparentemente inofensivas, também têm si<strong>do</strong><br />
criticadas como inerentemente sexistas, especialmente por disseminarem falsas noções<br />
<strong>de</strong> papéis sexuais. Uma forma <strong>de</strong> escrita que tem busca<strong>do</strong> contestar distorções <strong>de</strong>ssa<br />
natureza são as inúmeras releituras <strong>de</strong> contos tradicionais que vêm se multiplican<strong>do</strong> no<br />
cenário literário recentemente.<br />
Nas últimas décadas, observa-se um crescente interesse da crítica feminista no<br />
senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> discutir os possíveis efeitos culturais e sociais <strong>do</strong>s contos <strong>de</strong> fadas. Em The<br />
Politics of Postmo<strong>de</strong>rnism (1989), Linda Hutcheon chama nossa atenção para o caráter<br />
prescritivo <strong>do</strong>s contos <strong>de</strong> fadas, que direcionam as mulheres para padrões femininos<br />
<strong>de</strong> comportamentos preconcebi<strong>do</strong>s:<br />
Há uma longa tradição <strong>de</strong> literatura instrutiva cujo propósito é dizer às mulheres como<br />
"aparecer" — tornan<strong>do</strong>-as mais <strong>de</strong>sejáveis — aos homens [...] Mesmo os contos <strong>de</strong> fadas<br />
funcionam no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> passar a "sabe<strong>do</strong>ria" coletiva recebida <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e nisso<br />
refletem os mitos da sexualida<strong>de</strong> sob o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> (1989, p. 155). 1<br />
Não só os contos <strong>de</strong> fadas refletem os referi<strong>do</strong>s mitos, como também po<strong>de</strong>mos<br />
sugerir, observan<strong>do</strong> a forma como são constituí<strong>do</strong>s, transmiti<strong>do</strong>s e assimila<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> socialização, que os contos apresentam, eles próprios, traços míticos.<br />
Roland Barthes <strong>de</strong>fine mito como um discurso escolhi<strong>do</strong> pela história, não<br />
resultante da natureza das coisas (1972, p. 110). De acor<strong>do</strong> com ele, o mito implica a<br />
transformação da cultura em natureza ou, como ele mesmo diz, pelo menos <strong>do</strong><br />
cultural, i<strong>de</strong>ológico, histórico, em natural (1977, p. 165). Nessa perspectiva, os mitos,<br />
da forma como são construí<strong>do</strong>s, acabam por escon<strong>de</strong>r as motivações que se encontram<br />
157