03.07.2013 Views

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 53-59, <strong>de</strong>z. 2006<br />

texto cênico. Este texto é constituí<strong>do</strong> em primeiro nível pela personagem, pelo cenário<br />

e pelo jogo: personagem, nesse caso, po<strong>de</strong> ser entendi<strong>do</strong> como os atores, mas não<br />

apenas os atores — mesmo porque nem sequer é necessário que sejam pessoas —,<br />

mas seres ou objetos investi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma máscara; cenário é o espaço trabalha<strong>do</strong> e<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> para a cena, mesmo que seja um espaço vazio; jogo é um certo<br />

relacionamento envolven<strong>do</strong> os atores e o cenário on<strong>de</strong> atuam, ou o conjunto <strong>de</strong> regras<br />

<strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong>sse relacionamento. Cenário e personagem precisam ter existência<br />

material, física e real, e o Jogo será uma relação que se <strong>de</strong>senvolve no tempo e no<br />

espaço (Cf. COELHO NETO, 1980, p. 21-30).<br />

Outro conceito importante para <strong>de</strong>senvolvermos nossa exposição é o <strong>de</strong><br />

vetorização, termo proposto por Pavis. A vetorização é um processo que consiste em<br />

associar e conectar os signos entre si, perceben<strong>do</strong>-os liga<strong>do</strong>s como em re<strong>de</strong>s: o signo<br />

cria seu senti<strong>do</strong> na dinâmica que o liga aos outros, sintetizan<strong>do</strong> as opções <strong>de</strong> atuação,<br />

as escolhas dramatúrgicas e as linhas <strong>de</strong> força da representação, manten<strong>do</strong> ainda<br />

aberta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polissemia <strong>do</strong>s significantes (PAVIS, 2003, p. 13).<br />

Cada uma das montagens, colocadas em perspectiva, permite o aprofundamento<br />

<strong>de</strong> um aspecto teórico distinto. Em Pela noite optou-se por seguir a seqüência<br />

narrativa proposta por Caio Fernan<strong>do</strong> Abreu na novela homônima. Nesta,<br />

acompanhamos o périplo <strong>de</strong> <strong>do</strong>is homens pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, inician<strong>do</strong> e<br />

terminan<strong>do</strong> no apartamento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les. Em torno da novela e <strong>do</strong> espetáculo há duas<br />

questões fundamentais: a primeira é o tempo e sua passagem, que são centrais na<br />

novela <strong>de</strong> Caio; a outra é que essa narrativa está vinculada a um regime da palavra,<br />

ou seja, é a palavra, o texto dito pelos atores, o principal elemento condutor da<br />

narrativa teatral.<br />

Quanto ao tempo, o título já nos remete a ele: Pela noite, durante ela,<br />

atravessan<strong>do</strong>-a. A própria idéia <strong>de</strong> noite já traz em si algo <strong>de</strong> temporal, <strong>de</strong> uma<br />

duração e <strong>de</strong> algo que passa. Na novela, o fluxo <strong>do</strong> tempo é marca<strong>do</strong> pelos relógios,<br />

que constantemente lembram aos protagonistas e ao leitor essa passagem. Ao<br />

efêmero que a contagem das horas e <strong>do</strong>s minutos traz à mente, Caio contrapõe as<br />

lembranças e a memória. A tentativa <strong>de</strong> fixação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> através da memória surge<br />

como um ato <strong>de</strong> superação <strong>do</strong> tempo, ou <strong>de</strong> tentar conter a dissolução das coisas e<br />

das relações.<br />

A encenação não trata <strong>de</strong>sse embate entre o fugaz e o que permanece da mesma<br />

forma que a novela. Quase todas as marcas temporais, os recuos ao passa<strong>do</strong> através<br />

<strong>de</strong> memórias e lembranças, não são incorporadas ao texto proferi<strong>do</strong> pelos atores<br />

durante o espetáculo, por se tratar, na novela, <strong>de</strong> pensamentos das personagens.<br />

Esses pensamentos não são comunica<strong>do</strong>s ao leitor através <strong>do</strong>s diálogos, e são apenas<br />

estes, os diálogos, que a adaptação utiliza, transforman<strong>do</strong>-os em fala. O texto cênico<br />

suprime ainda os marca<strong>do</strong>res da passagem <strong>do</strong> tempo — os relógios —, que dão a idéia<br />

<strong>de</strong> fluxo e <strong>de</strong> fugacida<strong>de</strong>, assim como aquelas referências que nos permitem i<strong>de</strong>ntificar<br />

a cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se passa a ação como sen<strong>do</strong> São Paulo. A ausência, na encenação, das<br />

pausas <strong>de</strong>scritivas, <strong>do</strong>s textos não-dialógicos que permeiam a narrativa <strong>de</strong> Caio<br />

Fernan<strong>do</strong> Abreu, torna o espetáculo mais "acelera<strong>do</strong>" e "objetivo". O próprio ritmo da<br />

fala <strong>do</strong>s atores é utiliza<strong>do</strong> com esse fim. A sua gestualida<strong>de</strong> — cujo <strong>de</strong>senho e cuja<br />

<strong>de</strong>finição ultrapassam ou diferem daquele gesto que é feito cotidianamente — nos<br />

remete a uma dança, haven<strong>do</strong> inclusive uma incorporação <strong>do</strong>s passos <strong>de</strong> um tango,<br />

que finaliza o espetáculo, na movimentação.<br />

Neste espetáculo há uma <strong>de</strong>pendência narrativa <strong>do</strong>s outros sistemas semióticos<br />

em relação ao signo lingüístico, uma subordinação ao texto dito em cena: os outros<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

55

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!