03.07.2013 Views

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 139-145, <strong>de</strong>z. 2006<br />

estripa<strong>do</strong>s, crânios arrebenta<strong>do</strong>s, lágrimas, gritos, viúvas, órfãos, angústias,<br />

<strong>de</strong>sesperos” que ren<strong>de</strong> “assunto fértil para três dias” e “comoções públicas”.<br />

O sensacionalismo é o principal alvo <strong>de</strong> crítica <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis a um tipo <strong>de</strong><br />

imprensa que a<strong>do</strong>ta esta linha editorial. No primeiro momento, em 1885, o cronista<br />

oferece, como remédio <strong>de</strong> combate à marginalida<strong>de</strong>, que a imprensa não <strong>de</strong>staque em<br />

suas manchetes o criminoso e os seus feitos. Graças ao “erotismo <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>”, o<br />

capoeira recorre às navalhas certo <strong>de</strong> que o jornal irá noticiar aquela prática. Aos<br />

criminosos, receita Macha<strong>do</strong>, a indiferença <strong>do</strong>s jornais. Já em 1894, seu olhar crítico<br />

sobre o fazer jornalístico manifesta-se na <strong>de</strong>signação das “semanas ricas” e as<br />

“semanas pobres”, configuran<strong>do</strong> assim, uma visão mais sofisticada a respeito <strong>do</strong><br />

sensacionalismo. Além <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar tal fenômeno como atrativo comercial tão caro à<br />

promoção <strong>do</strong> consumo <strong>do</strong>s jornais e como elemento propaga<strong>do</strong>r da violência,<br />

influencian<strong>do</strong> pessoas a seguirem o caminho da fama obtida por meios ilegais pelos<br />

“capoeiras”, Macha<strong>do</strong> admite compreen<strong>de</strong>r o sensacionalismo como forma <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à<br />

necessida<strong>de</strong> coletiva da “pulsão <strong>de</strong> morte”, na medida em que serve como “escape” à<br />

agressivida<strong>de</strong> natural <strong>do</strong> ser humano.<br />

O jornalismo foi uma tribuna ampliada para o envolvimento <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis<br />

com as questões político-sociais <strong>do</strong> seu tempo, utilizan<strong>do</strong> a imprensa como recurso<br />

metonímico para criticar uma socieda<strong>de</strong> oportunista e que vivia <strong>de</strong> um liberalismo <strong>de</strong><br />

fachada. Em “História <strong>de</strong> quinze dias”, <strong>de</strong> 15/08/1876, Macha<strong>do</strong> concluiu argutamente<br />

que era falacioso pensar em opinião pública nacional formada pelo saber <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

brasileiros. O alto índice <strong>de</strong> analfabetismo — 84% — diagnostica<strong>do</strong> pelo Império<br />

ofereceu margem para que o cronista afirmasse categoricamente que “a opinião<br />

pública é uma metáfora sem base” (ASSIS, 1997, p. 345). Na crônica <strong>de</strong> “Balas <strong>de</strong><br />

Estalo”, publicada em 17/02/1885, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong>nunciou corajosamente a censura<br />

policial às manifestações <strong>do</strong>s “barra<strong>do</strong>s no baile” que praticavam o entru<strong>do</strong>, enquanto<br />

a gran<strong>de</strong> imprensa não noticiava este episódio e mascarava o clima tenso com notícias<br />

inventadas, afirman<strong>do</strong> que o carnaval foi bem anima<strong>do</strong> e livre <strong>de</strong> violência. Em “Notas<br />

Semanais”, <strong>de</strong> 1º/09/1878, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong>stacou a arrogância <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong><br />

comunicação (Revue <strong>de</strong>s Deux Mon<strong>de</strong>s e Figaro), que não admitiam os seus próprios<br />

erros publicamente. Denunciou um <strong>do</strong>s maiores genocídios midiáticos já ocorri<strong>do</strong>s no<br />

Brasil, que foi a perseguição <strong>de</strong>clarada da gran<strong>de</strong> imprensa ao arraial <strong>de</strong> Canu<strong>do</strong>s,<br />

especialmente ao lí<strong>de</strong>r Antonio Conselheiro. Alimentan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> boatos e telegramas<br />

oficiais, a imprensa en<strong>do</strong>ssou aquelas versões e sem provas estigmatizou Conselheiro<br />

como um “ba<strong>de</strong>rneiro”, “inimigo número um da República”, “fanático” e “facínora”. Em<br />

“A Semana”, <strong>de</strong> 31/01/1897, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis ficou <strong>de</strong>saponta<strong>do</strong> com esta prática e<br />

recomen<strong>do</strong>u que a imprensa ouvisse o outro la<strong>do</strong> da história e fosse in loco<br />

acompanhar e divulgar as verda<strong>de</strong>iras motivações daquele movimento social que<br />

prometia reinventar o sertão. Na época, não era costume <strong>do</strong>s jornais enviar<br />

correspon<strong>de</strong>ntes para os locais das rebeliões. Mas, apesar disso, Macha<strong>do</strong> reivindicou a<br />

ida <strong>de</strong> repórteres que trouxessem informações direito <strong>do</strong> arraial <strong>de</strong> Canu<strong>do</strong>s e<br />

tornassem públicas as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Antonio Conselheiro e <strong>de</strong> seu povo, <strong>de</strong>scartan<strong>do</strong><br />

a manipulação i<strong>de</strong>ológica <strong>do</strong>s telegramas e <strong>de</strong> outras artimanhas oficiais. Na Gazeta <strong>de</strong><br />

Holanda, <strong>de</strong> 27/09/1887, o cronista Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis teve a audácia <strong>de</strong> dar voz, em<br />

uma <strong>de</strong> suas crônicas, a um escravo <strong>de</strong> ganho, Pai Silvério. Este era visto por Macha<strong>do</strong><br />

como sujeito politiza<strong>do</strong> e valiosa fonte <strong>de</strong> informação, por se tratar <strong>do</strong> principal alvo<br />

nos <strong>de</strong>bates que antece<strong>de</strong>ram a Abolição da Escravatura. Conforme nos mostra o conto<br />

machadiano “Pai contra mãe”, a imprensa, reforçan<strong>do</strong> a mentalida<strong>de</strong> escravocrata da<br />

época, só <strong>de</strong>stacava o escravo nos anúncios publicitários como objeto <strong>de</strong> consumo ou<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

143

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!