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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 22-28, <strong>de</strong>z. 2006<br />

organização assemelhava-se por analogia à alma, também <strong>do</strong> filósofo. Além disso, o<br />

lógos é carecente, é certo, mas ao mesmo tempo forte, capaz, inclusive, <strong>de</strong><br />

potencializar a construção da cida<strong>de</strong>; e se Platão a formatou a partir <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s<br />

reais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sensível, havia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esse mun<strong>do</strong> ser construí<strong>do</strong> a partir<br />

da “cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> lógos”.<br />

Quanto aos poetas, nosso interesse maior, po<strong>de</strong>-se dizer que Platão era<br />

consciente <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> plasmar que eles tinham e daí a fundação da cida<strong>de</strong> sobre<br />

muitas restrições ao lógos <strong>de</strong>stes. Estas restrições dão-se em termos <strong>de</strong> lógos<br />

propriamente, não se po<strong>de</strong>ria aceitar a fala <strong>do</strong>s poetas, e principalmente <strong>de</strong> Homero,<br />

que veiculasse ensinamentos indignos; e também em termos <strong>de</strong> léxis, ou seja,<br />

con<strong>de</strong>nava-se a narrativa em discurso direto porque ela possibilitava a irracionalida<strong>de</strong><br />

da alma. Assim, na cida<strong>de</strong> “<strong>de</strong> luxo”, era necessário o poeta, mas com restrições<br />

estabelecidas pelo filósofo. Se Platão quer <strong>de</strong>limitar seu próprio lugar, particularizar,<br />

quanto aos poetas, a sua teoria propõe a perda da particularida<strong>de</strong>, daquilo que<br />

caracteriza o lógos <strong>de</strong>sse grupo, em especial, a mimese e to<strong>do</strong> o “inchaço” que faz com<br />

que a poesia seja poesia.<br />

É preciso lembrar, também, que há, por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um autor, que é Platão,<br />

mas as falas <strong>de</strong> cada um, ao longo <strong>do</strong> texto, não po<strong>de</strong>m ser recortadas, sem que se<br />

explicite um contexto, e atribuídas ao pensamento platônico. Por outro la<strong>do</strong>, Sócrates<br />

é um personagem platônico e não uma figura histórica; po<strong>de</strong> ser que haja muito <strong>do</strong><br />

Sócrates histórico na República, mas não po<strong>de</strong> ser menor a medida da construção<br />

platônica, uma vez que é mister ter em mente que entre o Sócrates histórico e o<br />

Sócrates da República há a mediação <strong>do</strong> lógos com toda a sua impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer,<br />

assim como o próprio olhar platônico. O mesmo raciocínio <strong>de</strong> tal construção socrática é<br />

váli<strong>do</strong> para os <strong>de</strong>mais participantes <strong>do</strong> diálogo. A diferença é que, se há entre Platão e<br />

Sócrates uma certa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> discípulo e mestre, <strong>de</strong> amantes da filosofia), ao<br />

escrever as falas <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais, Platão está escreven<strong>do</strong> o argumento <strong>do</strong> outro, o que<br />

permite pensar, sob um ponto <strong>de</strong> vista negativo, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esse discurso já ser<br />

ten<strong>de</strong>nciosamente enfraqueci<strong>do</strong> (o narra<strong>do</strong>r é nitidamente socrático) e, sob um<br />

aspecto positivo, uma postura interrogativa meto<strong>do</strong>lógica <strong>de</strong>spida <strong>de</strong> preconceitos,<br />

possibilitan<strong>do</strong> uma interlocução dialética.<br />

Quanto à mimese, sob a luz da análise retórica, é possível pensá-la em uma nova<br />

direção. Não mais simplesmente se Platão, <strong>de</strong> fato, con<strong>de</strong>na ou não a poesia, mas os<br />

elementos condicionantes <strong>de</strong> tal postura. Se não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tais elementos, po<strong>de</strong>-se, ao menos, pela análise, fazer um levantamento <strong>de</strong>les:<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> “um lugar”, <strong>de</strong> um lógos autoriza<strong>do</strong> e amor mesmo pela<br />

argumentação, pelo diálogo. Aliás, o mesmo amor que permite, ao final da República,<br />

a continuação <strong>do</strong> embate no lógos e nos possibilita questionar a expulsão. E outra vez<br />

<strong>de</strong>para-se com um aspecto negativo e outro positivo, sen<strong>do</strong> que o primeiro fica por<br />

conta da ausência <strong>de</strong> conclusão (não há um vence<strong>do</strong>r <strong>do</strong> embate) como uma <strong>de</strong>scrença<br />

nas possibilida<strong>de</strong>s da linguagem; por outro la<strong>do</strong>, todas as aberturas da discussão (ao<br />

longo <strong>do</strong>s <strong>de</strong>z livros e mesmo a abertura final para a resposta da poesia) pressupõem<br />

a inesgotabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> lógos e a perpetuação <strong>do</strong> embate como uma crença na<br />

linguagem, o que não invalida a tentativa <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> lugares como<br />

elemento causal <strong>de</strong> tal embate. Mesmo essa <strong>de</strong>limitação, em termos filosóficos,<br />

pressupõe uma disputa sem solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>: o fim <strong>de</strong>sta significaria, talvez, o<br />

fim <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> filósofo que, segun<strong>do</strong> o que parece <strong>de</strong>monstrar esta obra platônica, é<br />

sempre o espaço da busca, da inquirição, da continuida<strong>de</strong>. O lugar <strong>do</strong> filósofo está<br />

sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> é na cida<strong>de</strong> “inchada” e não na “sã”, o filósofo foge para o inteligível,<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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