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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 190-195, <strong>de</strong>z. 2006<br />

conhecimento intuitivo, faculda<strong>de</strong> que une o sujeito ao objeto. Muitas <strong>de</strong>ssas<br />

formulações <strong>de</strong> caráter geral convergem para uma área <strong>de</strong> encontro das filosofias da<br />

vida, da fenomenologia e das correntes existenciais que visavam reaproximar a<br />

filosofia da existência concreta <strong>do</strong> ser humano com a valorização da consciência<br />

perceptiva, indispensável a essa existência concreta, preocupações que garantem<br />

atualida<strong>de</strong> a esses <strong>do</strong>is pensa<strong>do</strong>res.<br />

Merleau-Ponty parte <strong>de</strong> questões básicas — mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, percepção, visibilida<strong>de</strong><br />

— para <strong>de</strong>senvolver o corpo como constructo. Articula os conceitos duplos: ver-ser<br />

visto, sentir-senti<strong>do</strong>, tocar-toca<strong>do</strong>; <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> o corpo não está situa<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong><br />

apenas como objeto, nem apenas como sujeito, mas está entre os <strong>do</strong>is, por isso é<br />

corpo-sujeito, mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> se manifestar no mun<strong>do</strong>. Para o filósofo, a<br />

partir da percepção, na experiência da própria existência através <strong>do</strong> corpo, é que se<br />

realizam as relações entre o corpo e as coisas exteriores. Assim, o sujeito está situa<strong>do</strong><br />

no espaço e no tempo e enraiza<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> com seu corpo, porque é como corpo que<br />

se relaciona com o outro, que percebe o outro porque o outro é percebi<strong>do</strong>. Ter um<br />

corpo que percebe, que vê, que sente é ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> captar e exprimir<br />

significativamente aquilo que se manifesta no mun<strong>do</strong>; é a maneira que se tem <strong>de</strong> ter<br />

acesso ao mun<strong>do</strong>.<br />

A força da análise <strong>de</strong> Bergson sustenta-se na relação que estabelece entre ação e<br />

representação e na ligação entre o que chama <strong>de</strong> reconhecimento e sobrevivência das<br />

imagens. Depreen<strong>de</strong>-se a imagem, para Bergson, como uma série <strong>de</strong> representações<br />

que operam na memória e que são diretamente manifestas no corpo, que, por sua vez,<br />

não passa também <strong>de</strong> uma imagem. Ao acionar a memória, evocam-se todas as<br />

percepções passadas a uma percepção presente, e é pelo corpo, com seus centros<br />

perceptivos estimula<strong>do</strong>s, que se tem a representação das coisas. Por outro la<strong>do</strong>, o<br />

papel <strong>de</strong>sses estímulos é unicamente esboçar as ações virtuais, preparar as reações <strong>do</strong><br />

corpo sobre os corpos circundantes. A percepção, portanto, consiste em separar, <strong>do</strong><br />

conjunto <strong>do</strong>s objetos, a ação possível <strong>do</strong> corpo sobre eles; permite selecionar as<br />

imagens que interessam à imagem que se chama corpo.<br />

Nesse mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> imagens, o corpo também é uma imagem e, no momento em<br />

que aumento ou diminuo a percepção <strong>de</strong>ssas imagens, o corpo se transforma na<br />

imagem por excelência, prevalecen<strong>do</strong> sobre todas as outras. Entretanto, as imagens<br />

são percebidas como fragmentos <strong>de</strong> um corpo que é, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um corpo<br />

imaginário, ou seja, tu<strong>do</strong> nele se <strong>de</strong>senvolve a partir da imagem que <strong>de</strong>terminada<br />

cultura faz <strong>de</strong>le. Assim cada cultura, a partir <strong>de</strong> sua especificida<strong>de</strong>, fabrica um corpo<br />

próprio quan<strong>do</strong> se dá a interação entre a sensibilida<strong>de</strong> e o meio em que se encontra.<br />

Enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se a percepção como a ação virtual das coisas sobre o corpo e <strong>do</strong> corpo<br />

sobre as coisas, haverá sempre, em toda percepção, algo <strong>do</strong> corpo quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senho<br />

<strong>de</strong>ssa ação virtual se transforma em ação real e é percebida pelo corpo. Assim, a ação<br />

real é sentida e está no corpo, e a ação virtual, percebida como imagem, fora <strong>do</strong><br />

corpo. Sinto com o corpo e construo imagens fora <strong>do</strong> corpo. E, por isso, esse corpo se<br />

manifesta ao mesmo tempo na forma <strong>de</strong> sensação e na forma <strong>de</strong> imagem. Daí resulta<br />

o para<strong>do</strong>xo que cerca o corpo: é uma imagem entre tantas outras imagens, receben<strong>do</strong><br />

e <strong>de</strong>volven<strong>do</strong> movimento, mas mantém seu centro <strong>de</strong> ação como uma imagem<br />

constante embora não completa, exercen<strong>do</strong> sobre as outras imagens uma influência<br />

real, escolhen<strong>do</strong> a maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver o que recebe.<br />

O corpo, porém, não é apenas uma imagem; ele se manifesta também <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista fenomenal, pois, como observou Merleau-Ponty, não é nunca o corpo objetivo<br />

que se move, mas o corpo fenomenal, ou seja, antes <strong>de</strong> qualquer intenção objetiva o<br />

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Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit

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