Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 22-28, <strong>de</strong>z. 2006<br />
diz respeito a não se tratar da mesma noção, é válida, não parece ser a noção<br />
diferente em cada um que estabelece os qualificativos diferentes, porque, conforme já<br />
visto, a mimese com uma noção muito propriamente barthesiana, muito diferente da<br />
concepção platônica, é também subversiva. Aliás, cumpre lembrar que existem várias<br />
concepções <strong>de</strong> mimese não só <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, mas mesmo em cada um <strong>do</strong>s<br />
autores em questão.<br />
Em Platão, po<strong>de</strong>-se dizer que há, pelo menos, três espécies <strong>de</strong> mimese: a<br />
literatura falan<strong>do</strong> da natureza (consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> esta como o mun<strong>do</strong> sensível), con<strong>de</strong>nada<br />
por ser <strong>de</strong> terceira or<strong>de</strong>m; a literatura falan<strong>do</strong> da literatura, con<strong>de</strong>nada principalmente<br />
na figura <strong>de</strong> Homero, por servir <strong>de</strong> arkhé em <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s: princípio (mo<strong>de</strong>lo) e po<strong>de</strong>r<br />
(<strong>de</strong> influenciar outros poetas); a literatura como representação (gênero trágico),<br />
con<strong>de</strong>nada por propiciar a irracionalida<strong>de</strong>. (Parece nunca ser <strong>de</strong>mais lembrar a<br />
relativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas con<strong>de</strong>nações.)<br />
Já Barthes, por vezes, quan<strong>do</strong> trata a mimese como repressiva, é à mimese<br />
consi<strong>de</strong>rada como imitação que se refere (talvez venha daí a leitura <strong>de</strong> Compagnon), e<br />
não à mimese segun<strong>do</strong> suas próprias <strong>de</strong>finições. A mimese <strong>de</strong> Barthes, subversiva, é<br />
aquela que é uma “força” da literatura e fala da literatura.<br />
Compagnon parece, então, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar sutilezas próprias <strong>de</strong> Platão e Barthes.<br />
Quanto ao primeiro, o que mais salta aos olhos é uma leitura da expulsão <strong>do</strong>s poetas<br />
<strong>de</strong>scontextualizada e radical; quanto ao segun<strong>do</strong>, uma leitura literal <strong>de</strong> suas<br />
oscilações, ao que tu<strong>do</strong> indica, propositais. Parece ter si<strong>do</strong> tal leitura que fez com que<br />
Compagnon consi<strong>de</strong>rasse a mimese repressiva em Barthes (sem maiores explicações)<br />
em contraposição à mimese subversiva em Platão, sen<strong>do</strong> que, com relação ao<br />
representante, Platão e Barthes parecem tratar daquilo que não se sabe <strong>de</strong>finir<br />
exatamente, mas que se reconhece como literatura e, quanto a esta, o que parece é<br />
que tanto um quanto outro partilham da mesma opinião: ela é subversiva. O que<br />
difere é, talvez, o lugar <strong>de</strong> que se fala. Platão, apesar <strong>de</strong> ser também um poeta, fala<br />
<strong>do</strong> lugar <strong>de</strong> filósofo e, portanto, ten<strong>do</strong> em vista a própria <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> filósofo,<br />
estabelece a <strong>de</strong>fesa da racionalida<strong>de</strong> e a subversão não é admitida. Barthes fala <strong>do</strong><br />
lugar <strong>de</strong> um teórico (quase escritor) e a subversão é aliada, importante, necessária. O<br />
esquema que parece a<strong>de</strong>quar-se a essa nova postura é:<br />
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literatura/língua ativa<br />
literatura<br />
língua (legislação) Platão = subversiva<br />
Barthes = repressiva<br />
Barthes = subversiva<br />
Vale lembrar, ainda, a questão da lei em cada um <strong>do</strong>s autores. Platão possui uma<br />
posição dupla, coloca-se contra a lei vigente (ao elaborar uma nova estrutura para a<br />
pólis) e ao la<strong>do</strong> da lei (quer fazer <strong>de</strong> suas palavras a nova lei); Barthes se coloca ao<br />
la<strong>do</strong> da literatura (fuga da lei). Ambos reconhecem o po<strong>de</strong>r que a literatura carrega:<br />
Platão se empenha (ainda que em tese, “por amor da argumentação”) para que esse<br />
po<strong>de</strong>r não se alastre sem um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> controle e direcionamento; Barthes parece<br />
<strong>de</strong>sejar apaixonadamente que isso aconteça.<br />
Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit