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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 202-209, <strong>de</strong>z. 2006<br />

sintoma. Daí que, haven<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los que nortearam as artes <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, nas obras <strong>de</strong> Bataille e <strong>de</strong> Bacon, como, aliás, em muitas outras, é<br />

significativa a reversão <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> representação, no senti<strong>do</strong> da emergência <strong>de</strong> seu<br />

componente reflexivo e oblitera<strong>do</strong>: a apresentação. As artes mo<strong>de</strong>rnas, privilegian<strong>do</strong> a<br />

autonomia das linguagens, <strong>de</strong>stacam seus processos estruturais, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

seus temas. Desvelan<strong>do</strong> seus fazeres e exaltan<strong>do</strong>-os, enquanto problematizam, pela<br />

in<strong>de</strong>terminação e instabilida<strong>de</strong> formal, a questão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, as artes resgatam a<br />

noção <strong>de</strong> apresentação, refutan<strong>do</strong> o conceito clássico <strong>de</strong> representação, uma vez que<br />

se torna inexeqüível a unanimida<strong>de</strong> e a estabilida<strong>de</strong> da interpretação, num mun<strong>do</strong><br />

oscilante e em face <strong>de</strong> um sujeito, ele próprio dilacera<strong>do</strong>.<br />

A reabilitação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> mímesis propugna seu entendimento, como um<br />

processo que implica a equivalência, tanto quanto a diferença. Não mais sen<strong>do</strong><br />

imitação, a mímesis reabilitada produziria uma “semelhança <strong>de</strong>ssemelhante”, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma semelhança que incluísse a diferença e on<strong>de</strong>, o referente seria<br />

fragmenta<strong>do</strong>, guardan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, rastros ou sintomas <strong>de</strong> um processo figural<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> à figuralida<strong>de</strong> freudiana. Processo esse que, conforma<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> similar<br />

às associações e montagens figurativas incongruentes <strong>do</strong>s sonhos, constitui Figuras<br />

in<strong>de</strong>terminadas e espaços oscilantes, cuja pregnância os abrem à multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

senti<strong>do</strong>s. Tem-se, pois, a partir <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento das<br />

imagens <strong>do</strong> sonho, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma síntese formal, uma vez que o sonho é<br />

governa<strong>do</strong> por uma lei <strong>de</strong> labilida<strong>de</strong>. A figuralida<strong>de</strong>, não contemplan<strong>do</strong> a representação<br />

<strong>de</strong> relações lógicas, está, portanto, incapacitada <strong>de</strong> significar, univocamente, <strong>de</strong> tornar<br />

visíveis e legíveis as relações entre as figuras.<br />

No que concerne à semelhança, o trabalho <strong>do</strong> sonho não contempla a idéia da<br />

mímesis como imitação. Ao se postular o processo da mímesis, como uma figuração<br />

em ato, que faz com que duas coisas anteriormente separadas se toquem, tem-se uma<br />

noção <strong>de</strong> semelhança que não contempla o mesmo, mas que se infecta <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong>,<br />

conforman<strong>do</strong>, aliás, novos elos <strong>de</strong> semelhança. Há, portanto, na figuralida<strong>de</strong>, um<br />

dilaceramento da semelhança da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> natural.<br />

Importa, ainda, <strong>de</strong>stacar a mutação <strong>do</strong> eixo vertical <strong>do</strong> visível para o eixo<br />

horizontal <strong>do</strong> carnal, nas obras <strong>de</strong> ambos. Mutação conceitual e espacial que traduz o<br />

movimento da i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> à animalida<strong>de</strong>, colocan<strong>do</strong>-nos frente à alterida<strong>de</strong> e<br />

provocan<strong>do</strong> a vertigem <strong>de</strong> um espaço abissal. Vertigem que se concretiza visualmente<br />

na pintura <strong>de</strong> Bacon, on<strong>de</strong> os corpos são governa<strong>do</strong>s pelo eixo <strong>do</strong> “baixo materialismo”<br />

batailleano. A obra <strong>de</strong> Bataille relaciona-se com a teoria freudiana, uma vez que, para<br />

ele, o materialismo autêntico não existia sem uma teoria das formas duplicada por<br />

uma teoria <strong>do</strong> psíquico. A referência psicanalítica em seu pensamento crítico situava-se<br />

no nível <strong>do</strong>s princípios e processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação das imagens. O inconsciente<br />

freudiano e a noção <strong>de</strong> sintoma, não sen<strong>do</strong> fixos, possibilitavam, em suma, abalar e<br />

<strong>de</strong>compor, prática e teoricamente, todas as certezas ilusórias <strong>de</strong> nossa face humana.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o elo da crítica <strong>de</strong> arte francesa com a psicanálise, Didi-Huberman<br />

ressalta a noção <strong>de</strong> sintoma psicanalítico, transpon<strong>do</strong>-o para o entendimento <strong>de</strong><br />

sintoma verbal e visual, apreensível nas imagens, e que, por ser instável e equívoco,<br />

<strong>de</strong>sagrega a unida<strong>de</strong> discursiva, faz intrusão e impõe o impensável. Devi<strong>do</strong> a suas<br />

estruturas abertas, ao jogo figural, aos <strong>de</strong>talhes, às imagens fantasmáticas, o sintoma,<br />

como um trabalho em termos brutos e materiais <strong>do</strong> significante, libera o conteú<strong>do</strong> da<br />

imagem, dispersan<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> prismático. Com a noção <strong>de</strong> sintoma, a <strong>de</strong>dução<br />

progressiva <strong>de</strong> um símbolo e as certezas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>dução não são mais<br />

possíveis, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao interminável <strong>de</strong>slocamento simbólico. O mo<strong>de</strong>lo sintomal<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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