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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 202-209, <strong>de</strong>z. 2006<br />

conduzi<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sejo contempla a irrupção <strong>do</strong> recalque, daquilo que guarda<strong>do</strong> no<br />

recôndito <strong>do</strong> inconsciente se forma ao se <strong>de</strong>formar, furtan<strong>do</strong>-se à razão e abrin<strong>do</strong> o<br />

saber (DIDI-HUBERMAN, 1990, p. 176-180), ou, como <strong>de</strong>sejava Bataille, permitin<strong>do</strong> o<br />

acesso ao não-saber.<br />

A pintura <strong>de</strong> Bacon configurada pelo drama e pelo <strong>de</strong>sejo estaria atravessada<br />

pela energia e intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sintomas da transitorieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong> tormento <strong>do</strong>s corpos;<br />

sintomas ainda <strong>de</strong> uma tensão que neles circula e neles se concentra, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-os no<br />

limite da própria <strong>de</strong>struição, no frágil limite entre vida e morte. O trabalho da<br />

figuralida<strong>de</strong> dilacera a semelhança, abrin<strong>do</strong> a figura em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s. Tal<br />

dilaceramento “cava” a representação, chama a Figura e sua apresentação, <strong>do</strong>ravante<br />

fundada no <strong>de</strong>svio, sua essência. Trabalho, enfim, que frustra a legibilida<strong>de</strong> e<br />

visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma representação clássica (DIDI-HUBERMAN, 1990, p. 182-186).<br />

Grosso mo<strong>do</strong>, nas artes mo<strong>de</strong>rnas, tem-se que a emergência da apresentação<br />

não refuta inapelavelmente a permanência <strong>de</strong> alguns aspectos da representação,<br />

sobretu<strong>do</strong> no que se refere aos traços <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong>, que dialogam com a<br />

construção poética. Na experiência estética, ao se realizar a produção verbal ou visual<br />

<strong>de</strong> algo antes inexistente ou invisível, trabalha-se com vestígios, rastros ou sintomas<br />

<strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> feita <strong>de</strong> lacunas, enquanto explora seus silêncios e vazios. Trata-se<br />

<strong>de</strong> uma representação sintomal (DIDI-HUBERMAN, 1990), impossibilitada <strong>de</strong> construir<br />

uma apreensão totalizante e, portanto, una e estável, ten<strong>do</strong> em vista sua <strong>de</strong>sconexão<br />

<strong>de</strong> um referente previamente da<strong>do</strong>.<br />

Paralelamente à noção <strong>de</strong> representação-efeito resgatada e <strong>de</strong>senvolvida por<br />

Costa Lima e à <strong>de</strong> representação sintomal enfocada por Didi-Huberman, avanço,<br />

especulativamente, a noção <strong>de</strong> representação dilacerada, na qual, a prepon<strong>de</strong>rância da<br />

apresentação não impe<strong>de</strong> a emergência <strong>de</strong> vestígios, rastros ou reflexos figurais,<br />

potencialmente referencia<strong>do</strong>s, mas autônomos e nem sempre i<strong>de</strong>ntificáveis. Tais<br />

referentes, sen<strong>do</strong> lábeis, inscrevem-se prismática e instavelmente, conjugan<strong>do</strong> uma<br />

dispersão <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s, eles próprios dilacera<strong>do</strong>s, num calei<strong>do</strong>scópio <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s e<br />

impossibilida<strong>de</strong>s. A representação dilacerada se concretizaria, momentaneamente, pelo<br />

jogo da facticida<strong>de</strong> sintomal e pelo jogo da literalida<strong>de</strong> ou da plasticida<strong>de</strong>. Jogos<br />

conduzi<strong>do</strong>s e experiencia<strong>do</strong>s pelo produtor e pelo receptor, ambos aptos a conceber<br />

senti<strong>do</strong>s, a priori in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, através <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> legibilida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> visualida<strong>de</strong>,<br />

condicionadas, por sua vez, às <strong>de</strong>terminações singulares <strong>de</strong> sujeitos, eles próprios<br />

dilacera<strong>do</strong>s.<br />

Ao ressaltar o termo dilaceramento, creio ter busca<strong>do</strong> abarcar o trabalho<br />

irreversível <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição da figura humana, nas artes <strong>do</strong> século XX. Decomposição<br />

que, embora visasse uma reconstrução, guardaria em camadas estratificadas, os<br />

processos dilacera<strong>do</strong>res da i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> que a alicerçava, assim como alicerçava a<br />

própria representação. Inverte-se, pois, a dupla constituição da representação.<br />

Contemplan<strong>do</strong>, primordialmente, a apresentação, as artes, no entanto, liberam<br />

rastros, vestígios, sintomas da representação; representação que se atualiza pelo<br />

dilaceramento formal e pela transitorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu evento. Esta é a minha hipótese e,<br />

como qualquer hipótese, é passível <strong>de</strong> ser questionada, problematizada e confrontada<br />

a outras leituras.<br />

208<br />

Abstract<br />

This essay approaches the relations between representation and<br />

mimesis, investigating comparatively some writings of Georges<br />

Bataille and paintings of Francis Bacon. Both <strong>de</strong>veloped radical<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit

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