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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 115-121, <strong>de</strong>z. 2006<br />

Riobal<strong>do</strong>, que tanto po<strong>de</strong> ser íntimo, quanto po<strong>de</strong> revelar constrangimento. O<br />

adversário radicaliza essa segunda posição e lida com o aspecto <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong><br />

incorpora<strong>do</strong> pelo narratário. Finalmente, o árbitro faz alusão à posição que o próprio<br />

protagonista — se confessan<strong>do</strong> e procuran<strong>do</strong> absolvição — a ele atribui.<br />

Curiosamente, todas essas figuras lembram um pouco o papel <strong>do</strong> leitor no<br />

<strong>de</strong>correr <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> leitura. E, para nos aprofundarmos na relação narratário e<br />

leitor, fez-se necessário investigar algumas concepções <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> leitura.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista teórico, após estudar diversas abordagens sobre o tema, foi<br />

novamente Barthes quem nos forneceu idéias provocativas a respeito <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> ler.<br />

Alguns po<strong>de</strong>m argumentar que esse ensaísta francês não chegou a construir uma<br />

teoria sobre a leitura. Para<strong>do</strong>xalmente, foi essa característica sua a que mais nos<br />

atraiu e estimulou a a<strong>do</strong>tá-lo enquanto interlocutor. A leitura literária é um campo<br />

naturalmente criativo e não se encaixaria facilmente em um mo<strong>de</strong>lo pronto. Barthes<br />

parece reconhecer isso e não ambiciona abarcar o fenômeno integralmente através <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ais ou tipos que serviriam <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo ao público leitor. Dele, aproveitamos,<br />

sobretu<strong>do</strong>, a idéia <strong>de</strong> que a leitura po<strong>de</strong> ser condutora <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escrever. Ou seja,<br />

ser uma ação produtiva que não se esgota em si, mas que gera outras escritas<br />

(BARTHES, 1988).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista essa concepção <strong>de</strong> leitura, não foi difícil associar o narratário <strong>de</strong><br />

Gran<strong>de</strong> sertão: veredas ao leitor-produtor <strong>de</strong> Barthes. Aliás, não é sem razão que<br />

gran<strong>de</strong> parte da fortuna crítica o associa ao autor <strong>do</strong> romance. De fato, não só ele<br />

escreve profusamente em sua ca<strong>de</strong>rnetinha durante toda a permanência na casa <strong>do</strong><br />

narra<strong>do</strong>r, como também interfere ativamente na narrativa <strong>de</strong> Riobal<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> com<br />

que esta seja fruto <strong>de</strong> um trabalho conjunto.<br />

Mas buscamos dar um passo além, qual seja, associá-lo também às idéias <strong>do</strong><br />

próprio Guimarães Rosa a respeito <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> leitura. Isso se <strong>de</strong>u a partir da<br />

análise <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos pessoais <strong>do</strong> autor, que indicam como ele i<strong>de</strong>alizava a relação<br />

com seus leitores, a qual <strong>de</strong>veria incluir sempre o respeito e a amiza<strong>de</strong>. Para Rosa,<br />

isso não significa, entretanto, que os receptores <strong>de</strong> sua obra <strong>de</strong>vam se resignar a<br />

aceitar os senti<strong>do</strong>s que atribui para a mesma. Vimos que o autor confere gran<strong>de</strong><br />

autonomia a seus tradutores, por exemplo, insistin<strong>do</strong> que eles façam boa parte <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong> texto. Observamos, ainda, que ele aceita as boas críticas,<br />

chegan<strong>do</strong> a alterar seus escritos com base nas mesmas, e valoriza a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong><br />

leitor com o texto li<strong>do</strong>.<br />

Várias das figuras não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> se associar às idéias <strong>de</strong> Barthes e <strong>de</strong><br />

Guimarães Rosa sobre o ato <strong>de</strong> ler. Afinal, po<strong>de</strong>mos ter, em relação a um texto, uma<br />

atitu<strong>de</strong> neutra ou amigável, mas po<strong>de</strong>mos também nos colocar contra suas idéias. Em<br />

qualquer <strong>de</strong>ssas hipóteses somos sempre responsáveis por um julgamento, quer ele se<br />

refira ao valor daquilo que nos é conta<strong>do</strong>, ou aos nossos próprios sentimentos a<br />

respeito. Quanto ao viajante letra<strong>do</strong>, é possível afirmar que ele po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong><br />

não apenas ao que propõem esses autores, mas ao que usualmente se concebe como<br />

um leitor mais “eficiente”, isto é, aquele culto, erudito e sempre curioso, que se<br />

aventura em “viagens” através <strong>do</strong> texto que lê, até então <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> para ele.<br />

Neutro é um leitor que evita aprovar ou con<strong>de</strong>nar uma narrativa. Mas neutros<br />

po<strong>de</strong>mos ser to<strong>do</strong>s nós quan<strong>do</strong> silenciamos nossa subjetivida<strong>de</strong> para ouvir melhor a<br />

voz <strong>de</strong> um texto. Ou seja, quan<strong>do</strong> abrimos espaço para que ele se articule <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

nós. Em “A morte <strong>do</strong> autor”, Barthes (1984, p. 70) afirma que<br />

118<br />

[...] um texto é feito <strong>de</strong> escrituras múltiplas, oriundas <strong>de</strong> várias culturas e que entram<br />

umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar on<strong>de</strong> essa<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit

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