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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 190-195, <strong>de</strong>z. 2006<br />

Os registros iconográficos — imagens surgidas no meio literário e cultural<br />

brasileiro, no momento em que Mário <strong>de</strong>spontou como escritor — mostram não só as<br />

primeiras revelações da imagem pública <strong>do</strong> intelectual como a imagem privada <strong>do</strong><br />

homem, que <strong>de</strong>spontou <strong>do</strong> convívio pessoal, em meio aos conflitos inerentes a essa<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> si mesmo e como escritor. Tais representações manifestam-se em<br />

varia<strong>do</strong>s suportes, tais como fotos, pinturas e caricaturas, e permitem elaborar<br />

análises das relações que o escritor estabelece com artistas plásticos <strong>de</strong> sua geração,<br />

não medin<strong>do</strong> esforços para projetar-se como intelectual no meio paulistano. Desse<br />

mo<strong>do</strong>, abre-se um espaço para se pensar no corpo como um objeto e nas várias<br />

formas <strong>de</strong> como se po<strong>de</strong> representá-lo, formas que traduzem um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser no<br />

mun<strong>do</strong>, como se o corpo não fosse nada sem o sujeito que o habita. Investigo também<br />

o corpo <strong>de</strong> Mário em relação à sua espacialida<strong>de</strong>, fator importante para se afirmar<br />

como sujeito, paulista e brasileiro. O escritor rompe a fronteira <strong>do</strong> corpo, que separa o<br />

indivíduo <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, separa o “eu” <strong>do</strong> exterior; mostra-se no traje que<br />

dissimula, realça o que <strong>de</strong>seja mostrar ou se escon<strong>de</strong>. Projeta-se em diversos espaços,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu quarto, <strong>de</strong> sua casa, que afasta a vida privada da vida<br />

social, distancia o “meu” <strong>do</strong> coletivo, e aparta o pequeno grupo priva<strong>do</strong>, a família<br />

nuclear — o “nosso” — da multidão anônima no espaço público, até o mais distante<br />

fisicamente, porém próximo culturalmente: o continente europeu. Na produção escrita,<br />

evi<strong>de</strong>nciam-se certas relações entre o corpo e traços peculiares da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Mário, representa<strong>do</strong>s por referências à infância, aos familiares, às ligações afetivas, ao<br />

ser metassexual, revela<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma sexualida<strong>de</strong> presente em toda parte e em nenhum<br />

lugar, a qual, sem po<strong>de</strong>r especificar, torna-se, portanto, ambígua.<br />

A produção <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> contribuiu também para consolidar<br />

sua imagem pública, em um segun<strong>do</strong> momento <strong>de</strong> sua trajetória intelectual, momento<br />

em que se avolumou a correspondência a partir <strong>do</strong> número crescente <strong>de</strong> amigos <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> literário e o contato com artistas plásticos famosos, que vão ajudá-lo na<br />

construção <strong>de</strong>ssas representações. Por outro la<strong>do</strong>, à medida que aumenta a exposição<br />

da figura pública, sua imagem sofre cada vez mais interferências da crítica, fato que<br />

repercute não apenas no corpo, como nas relações e manifestações <strong>de</strong> sua vida<br />

privada, e traz profundas conseqüências para a sua vida pública e intelectual. Algumas<br />

imagens foram sen<strong>do</strong> elaboradas paralelamente pelo escritor, a partir da sua obsessão<br />

pelo trabalho, inclusive <strong>de</strong> funcionário público, a <strong>de</strong>cepção que resultou <strong>de</strong>ssa<br />

progressiva exposição pública e inevitável confronto com certas escolhas políticas, e a<br />

opção por retornar ao “seu” mun<strong>do</strong> priva<strong>do</strong>, com a conseqüente reflexão sobre os<br />

limites <strong>do</strong> indivíduo diante das pressões sociais.<br />

As imagens <strong>de</strong> Mário subsistem mesmo quan<strong>do</strong> seu corpo já não mais existe, e<br />

preservam a natureza ambivalente. A geração <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> em um<br />

contexto cultural mais recente, em face <strong>de</strong> um consistente parque gráfico e editorial<br />

brasileiro, e <strong>de</strong> novos meios <strong>de</strong> comunicação, indica que, culturalmente, há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar imagens para aten<strong>de</strong>r a uma <strong>de</strong>manda social. Na esfera<br />

pública, surgem novas imagens <strong>do</strong> intelectual, seja através <strong>de</strong> monumentos, <strong>do</strong> nome<br />

consagra<strong>do</strong> nos espaços públicos e propagan<strong>do</strong>-se pela mídia. Constata-se a<br />

reinscrição <strong>do</strong> escritor no discurso crítico contemporâneo e a percepção <strong>de</strong> estar<br />

inseri<strong>do</strong> progressivamente no cânone literário brasileiro. Divisa-se o movimento <strong>de</strong><br />

retomada e releitura das imagens <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> tentativas que<br />

procuram valorizar certos atributos reconhecidamente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s por ele e<br />

sustenta<strong>do</strong>s em sua obra literária.<br />

194<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit

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