Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 139-145, <strong>de</strong>z. 2006<br />
jornalismo na formação <strong>de</strong> uma esfera pública capaz <strong>de</strong> submeter os pólos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r ao<br />
olhar atento da socieda<strong>de</strong> civil, assistiu, na maturida<strong>de</strong>, ao colapso <strong>de</strong>ssa visão e<br />
percebeu o fracasso <strong>do</strong> jornalismo exerci<strong>do</strong> no Brasil como Quarto Po<strong>de</strong>r. Assim,<br />
Macha<strong>do</strong> se viu obriga<strong>do</strong> a pensar na estruturação <strong>de</strong> um outro po<strong>de</strong>r — o quinto —<br />
que tivesse como função central a fiscalização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r da imprensa.<br />
Po<strong>de</strong>r-se-ia então afirmar que o escritor foi um atento crítico da imprensa <strong>de</strong> seu<br />
tempo e, talvez, até mesmo, um ombudsman. Conforme Jairo Faria Men<strong>de</strong>s (2002), o<br />
ombudsman critica a postura editorial <strong>do</strong> veículo em que trabalha, assim como <strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>mais jornais, além <strong>de</strong> prestar serviços <strong>de</strong> ouvi<strong>do</strong>ria, encarregan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> atuar como<br />
representante <strong>do</strong>s leitores no jornal. Nas crônicas que compõem o corpus <strong>de</strong>sse<br />
trabalho, não há <strong>de</strong>clarações explícitas <strong>do</strong> escritor afirman<strong>do</strong> que tenha feito uma<br />
crítica à imprensa com base na escuta <strong>de</strong> alguma queixa <strong>do</strong> leitor, ou através <strong>de</strong> carta<br />
<strong>de</strong>ste dirigida ao jornal em que atuava. O <strong>de</strong>sconhecimento, até agora, <strong>de</strong>ssa prova<br />
cabal, me impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar, com exatidão, que Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis tenha si<strong>do</strong>, <strong>de</strong> fato,<br />
um ombudsman.<br />
Diante da ferrenha crítica <strong>do</strong> escritor em relação à prática jornalística, é possível<br />
cogitar a hipótese <strong>de</strong> que ele tenha recebi<strong>do</strong> reclamações, sugestões e elogios <strong>do</strong>s<br />
seus leitores em relação aos jornais nos quais trabalhou. Po<strong>de</strong>-se pensar que Macha<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Assis reunia as críticas feitas pela socieda<strong>de</strong> no tocante ao comportamento editorial<br />
<strong>do</strong>s periódicos, a suas próprias observações e investigações sobre o fazer jornalístico,<br />
o que po<strong>de</strong> ter aconteci<strong>do</strong>, por exemplo, em seus passeios <strong>de</strong> bond ou no contato com<br />
os leitores na Rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r. Mário <strong>de</strong> Alencar, amigo <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, registrou,<br />
da seguinte forma, o cotidiano <strong>do</strong> cronista: “pela manhã, bebi<strong>do</strong> o café, escrevia;<br />
<strong>de</strong>pois <strong>do</strong> banho, lia os seus autores passean<strong>do</strong> pelo gabinete. Finda a tarefa diária,<br />
entregava-se aos jornais antes e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> almoço e no bon<strong>de</strong>” (ALENCAR apud<br />
WERNECK, 1994, p. 53).<br />
Cabe ainda informar que to<strong>do</strong> ombudsman é um crítico da imprensa, mas nem<br />
to<strong>do</strong> crítico da imprensa é um ombudsman. O crítico da imprensa difere <strong>do</strong><br />
ombudsman, por não ser necessariamente um ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s leitores e por po<strong>de</strong>r avaliar<br />
o <strong>de</strong>sempenho da imprensa atuan<strong>do</strong> em outro setor <strong>do</strong> jornal que não seja o <strong>de</strong><br />
ouvi<strong>do</strong>ria, como em veículos alternativos, que buscam especificamente radiografar a<br />
atuação <strong>do</strong>s jornais. Tanto o ombudsman como o crítico da imprensa costumam ser<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “malditos”, porque existiria “um temor da mídia em se abrir para a<br />
crítica” (MENDES, 2002, p. 14). Acontece que a atuação <strong>de</strong>sses profissionais, como foi<br />
o caso <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, permite que o próprio jornalista faça uma reflexão<br />
permanente <strong>do</strong> seu exercício profissional, se recor<strong>de</strong> que é falível, e que seus erros<br />
afetam a socieda<strong>de</strong> inteira. Na opinião <strong>de</strong> Geral<strong>do</strong> Albarrán <strong>de</strong> Alba, “o ombudsman <strong>do</strong><br />
leitor não é outra coisa que a consciência <strong>do</strong> jornalista” (2002, p. 12). Já o bom crítico<br />
da imprensa, recomenda Alberto Dines (1982), <strong>de</strong>ve focalizar <strong>de</strong>sempenhos ou<br />
comportamentos <strong>do</strong>s jornais e <strong>do</strong>s jornalistas enquadran<strong>do</strong> a estrutura que cria,<br />
estimula e orienta tais <strong>de</strong>sempenhos ou comportamentos.<br />
No ensaio “‘Media criticism’– um espaço mal-dito”, Dines observa que o autêntico<br />
crítico da imprensa <strong>de</strong>ve se posicionar “contra a maré”, atingin<strong>do</strong> a essência da<br />
estrutura paternalista e autoritária que contamina os jornais. Segun<strong>do</strong> Dines, Lima<br />
Barreto teria si<strong>do</strong> o precursor da crítica à imprensa no Brasil com o livro Recordações<br />
<strong>do</strong> escrivão Isaías Caminha, <strong>de</strong> 1909. Pela língua afiada e pelo <strong>estilo</strong> <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong>, a obra<br />
e o autor foram boicota<strong>do</strong>s, respectivamente, pela crítica e pelos gran<strong>de</strong>s meios <strong>de</strong><br />
comunicação da época. Alvo <strong>do</strong> preconceito racial, social e literário, visto que era negro<br />
Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />
141