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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 122-127, <strong>de</strong>z. 2006<br />

levar em conta que há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação <strong>de</strong><br />

outrem e sua transmissão no interior <strong>de</strong> um contexto, uma vez que<br />

toda transmissão, particularmente sob forma escrita, tem seu fim específico [...] Além<br />

disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa — a pessoa a quem estão sen<strong>do</strong><br />

transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma terceira pessoa é <strong>de</strong><br />

primordial importância: ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o<br />

mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> apreensão <strong>do</strong> discurso.<br />

Toda a essência da apreensão apreciativa da enunciação <strong>de</strong> outrem, tu<strong>do</strong> o que po<strong>de</strong> ser<br />

i<strong>de</strong>ologicamente significativo tem sua expressão no discurso interior. Aquele que apreen<strong>de</strong><br />

a enunciação <strong>de</strong> outrem não é um ser mu<strong>do</strong>, priva<strong>do</strong> da palavra, mas ao contrário um ser<br />

cheio <strong>de</strong> palavras interiores.<br />

O discurso cita<strong>do</strong> e o contexto <strong>de</strong> transmissão são somente os termos <strong>de</strong> uma interrelação<br />

dinâmica. Essa dinâmica, por sua vez, reflete a dinâmica da inter-relação social<br />

<strong>do</strong>s indivíduos na comunicação i<strong>de</strong>ológica verbal.<br />

As condições da comunicação verbal, suas formas e seus méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diferenciação são<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s pelas condições sociais e econômicas da época. [...] nas formas pelas quais<br />

a língua registra as impressões <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> outrem e da personalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> locutor, os<br />

tipos <strong>de</strong> comunicação sócio-i<strong>de</strong>ológica em transformação no curso da história manifestamse<br />

com um relevo especial. (BAKHTIN, 1995, p. 146-148, 154)<br />

Finalmente, como uma primeira resposta à questão proposta pelos redatores <strong>do</strong><br />

Recrea<strong>do</strong>r Mineiro, nos aventuraremos a transmitir o discurso <strong>de</strong> Bakhtin, quan<strong>do</strong> este<br />

nos <strong>de</strong>clara que: “na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma situação em que to<strong>do</strong>s os julgamentos<br />

sociais <strong>de</strong> valor são dividi<strong>do</strong>s em alternativas nítidas e distintas, não há lugar para uma<br />

atitu<strong>de</strong> positiva e atenta a to<strong>do</strong>s os componentes individualizantes da enunciação <strong>de</strong><br />

outrem.” (BAKHTIN, 1995, p. 149). Assim, observan<strong>do</strong> a língua como um fato social<br />

liga<strong>do</strong> às estruturas sociais, à necessida<strong>de</strong> e às condições da comunicação, concluímos<br />

que os redatores <strong>do</strong> Recrea<strong>do</strong>r Mineiro proce<strong>de</strong>ram a uma enunciação polifônica<br />

(DUCROT, 1987), caracterizam-se como locutores (transmissores <strong>de</strong> um discurso<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsáveis) e, portanto, expressam conformida<strong>de</strong> com<br />

as idéias e o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> vários enuncia<strong>do</strong>res (sem que para tanto sejam a eles<br />

atribuídas palavras precisas ou rubricas que os <strong>de</strong>clarem como fonte) através <strong>de</strong> uma<br />

seleção <strong>do</strong> que seria apropria<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> pelo discurso a ser transmiti<strong>do</strong>.<br />

Verificamos, portanto, que o “centro organiza<strong>do</strong>r” da enunciação polifônica em O<br />

Recrea<strong>do</strong>r Mineiro era exterior, situava-se no meio social que envolvia os redatoreslocutores,<br />

o discurso a ser transmiti<strong>do</strong>, e o público para o qual ocorreu a transmissão.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, no que diz respeito ao processo <strong>de</strong> comunicação, evi<strong>de</strong>ncia-se o<br />

postula<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a estrutura da enunciação é <strong>de</strong> natureza puramente social e<br />

i<strong>de</strong>ológica. Assim, a enunciação polifônica se manifestou em O Recrea<strong>do</strong>r Mineiro como<br />

um “indica<strong>do</strong>r” das mudanças, como “expressão das relações e lutas sociais,<br />

veiculan<strong>do</strong> e sofren<strong>do</strong> o efeito <strong>de</strong>sta luta, servin<strong>do</strong>, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> instrumento<br />

e <strong>de</strong> material” (BAKHTIN, 1995).<br />

Levan<strong>do</strong> em conta as diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação<br />

<strong>de</strong> outrem e sua transmissão no interior <strong>do</strong> contexto romântico <strong>de</strong> renovação política e<br />

cultural, concluímos que a maneira <strong>de</strong> se apropriar <strong>do</strong> ‘discurso <strong>de</strong> outrem’ evi<strong>de</strong>nciou<br />

em O Recrea<strong>do</strong>r Mineiro as tendências sociais da interação verbal em Minas Gerais na<br />

primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XIX, uma vez que a existência <strong>de</strong> um público leitor<br />

evi<strong>de</strong>ncia o fluxo das forças sociais organizadas sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> apreensão <strong>do</strong><br />

discurso <strong>de</strong> outrem no referi<strong>do</strong> periódico. Isto que aponta para a interação dinâmica<br />

entre o discurso cita<strong>do</strong> e o contexto <strong>de</strong> transmissão, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong>: a inter-relação<br />

social <strong>do</strong>s indivíduos na comunicação i<strong>de</strong>ológica verbal; a atuação da facção política<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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