Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG
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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 29-34, <strong>de</strong>z. 2006<br />
<strong>Contornos</strong> <strong>do</strong> <strong>Indizível</strong>: o <strong>estilo</strong> <strong>de</strong> <strong>Clarice</strong> <strong>Lispector</strong><br />
Resumo<br />
Ana Augusta Wan<strong>de</strong>rley Rodrigues <strong>de</strong> Miranda<br />
O indizível é transmiti<strong>do</strong> por elementos específicos na escrita <strong>de</strong><br />
<strong>Clarice</strong> <strong>Lispector</strong>, e o <strong>estilo</strong> da autora gira em torno <strong>de</strong>ssa<br />
transmissão. É possível aproximar os termos <strong>estilo</strong>, indizível e<br />
transmissão da noção psicanalítica <strong>de</strong> Real e <strong>de</strong>tectar, nos<br />
referi<strong>do</strong>s elementos, gran<strong>de</strong> semelhança com a noção lacaniana<br />
<strong>de</strong> letra.<br />
Palavras-chave: <strong>Indizível</strong>. Estilo. Real. Transmissão. Letra.<br />
A importância que <strong>Clarice</strong> <strong>Lispector</strong> confere ao indizível perpassa quase a<br />
totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus escritos. Mesmo que, em alguns momentos, o termo não surja<br />
expressamente, aparecem seus efeitos ou elucubrações acerca <strong>de</strong>le. Tal posição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staque <strong>do</strong> tema é verificável no recorte aqui seleciona<strong>do</strong>, composto pelos romances<br />
A paixão segun<strong>do</strong> G. H., Água viva, Um sopro <strong>de</strong> vida, A hora da estrela e pelo conto<br />
“O ovo e a galinha”. Citemos algumas ocorrências:<br />
Em A paixão segun<strong>do</strong> G. H., encontramos um trecho paradigmático que favorece<br />
a compreensão da noção <strong>de</strong> indizível nessa fase da obra:<br />
Eu tenho à medida que <strong>de</strong>signo — este é o esplen<strong>do</strong>r <strong>de</strong> se ter uma linguagem. Mas eu<br />
tenho muito mais à medida que não consigo <strong>de</strong>signar. A realida<strong>de</strong> é a matéria prima, a<br />
linguagem é o mo<strong>do</strong> como vou buscá-la — e como não acho. Mas é <strong>do</strong> buscar e não achar<br />
que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é meu<br />
esforço humano. Por <strong>de</strong>stino tenho que ir buscar e por <strong>de</strong>stino volto com as mãos vazias.<br />
Mas — volto com o indizível. O indizível só me po<strong>de</strong>rá ser da<strong>do</strong> através <strong>do</strong> fracasso <strong>de</strong><br />
minha linguagem. Só quan<strong>do</strong> falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu<br />
(LISPECTOR, 1998, p. 176).<br />
Em Água viva, o termo aparece da seguinte maneira:<br />
Foi uma sensação súbita, mas suavíssima. A luminosida<strong>de</strong> sorria no ar: exatamente isto.<br />
Era um suspiro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não sei explicar, como não se sabe contar sobre a aurora a um<br />
cego. É indizível o que me aconteceu em forma <strong>de</strong> sentir: preciso <strong>de</strong>pressa <strong>de</strong> tua<br />
empatia. Sinta comigo. Era uma felicida<strong>de</strong> suprema. (LISPECTOR, 1998a, p. 79).<br />
Em Um sopro <strong>de</strong> vida, a palavra é utilizada em duas passagens para caracterizar<br />
a personagem Ângela:<br />
Autor — Ela vive as diversas fases <strong>de</strong> um fato ou <strong>de</strong> um pensamento mas no mais fun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> seu interior é extra-situacional e no ainda mais fun<strong>do</strong> e inalcançável existe sem<br />
Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />
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