História do Brasil
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“O que o canavial sim aprende <strong>do</strong> mar: o avançar em<br />
linha rasteira da onda, o espraiar-se minucioso, de<br />
líqui<strong>do</strong>, alagan<strong>do</strong> cova a cova onde se alonga. O que o<br />
canavial não aprende <strong>do</strong> mar: o desmedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> derramarse<br />
da cana; o comedimento <strong>do</strong> latifúndio <strong>do</strong> mar, que<br />
menos lastradamente se derrama.”<br />
MELO NETO, João Cabral de. O Mar e o Canavial In: A Educação Pela Pedra.<br />
Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. p. 09.<br />
A agromanufatura açucareira se estruturou com base na<br />
plantation, isto é, na grande unidade escravista de<br />
produção. Essa unidade compreendia <strong>do</strong>is setores<br />
produtivos: o agrícola e o manufatureiro.<br />
O setor agrícola dividia-se em um setor escravista<br />
<strong>do</strong>minante, produtor de cana-de-açúcar, e um setor<br />
produtor de alimentos, que abastecia os trabalha<strong>do</strong>res,<br />
sen<strong>do</strong> que esse último era subordina<strong>do</strong> ao primeiro.<br />
No setor produtor de alimentos, os escravos recebiam<br />
lotes em usufruto concedi<strong>do</strong>s pelo grande proprietário. A<br />
produção realizada nesses lotes garantia não apenas uma<br />
BOTELHO, Ângela Viana; REIS, Liana Maria. Dicionário Histórico <strong>Brasil</strong>:<br />
Colônia e Império. Belo Horizonte: O Autor, 2001. p. 27.<br />
Na gravura <strong>do</strong> alemão Johann Moritz Rugendas pode-se observar um detalhede<br />
um engenho colonial, destacan<strong>do</strong>-se a moenda, etapa inicial da agromanufatura<br />
açucareira. Escravos aparecem descarregan<strong>do</strong> um carro de boi repleto de canade-açucar<br />
cortada e preparada para a moagem. Numa etapa seguinte, o cal<strong>do</strong> ex<br />
extraí<strong>do</strong> da cana era leva<strong>do</strong> para a casa das caldeiras. Rugendas esteve no<br />
<strong>Brasil</strong> na década de 1820 e produziu mais de uma centena de ilustrações com o<br />
intuito de <strong>do</strong>cumentar a paisagem, o cotidiano e as varias atividades econômicas.<br />
O setor manufatureiro envolvia as inúmeras atividades de<br />
transformação da cana-de-açúcar realizadas no engenho.<br />
Apesar de escravistas, alguns autores consideram as<br />
atividades econômicas desenvolvidas no engenho<br />
colonial como manufatureiras devi<strong>do</strong> às seguintes<br />
razões:<br />
Divisão - inclusive sexual - <strong>do</strong> trabalho;<br />
melhor alimentação aos escravos e às suas famílias,<br />
como também diminuía o custo de manutenção destes<br />
por parte <strong>do</strong>s senhores.<br />
Esse modelo ficou conheci<strong>do</strong> pela expressão “brecha<br />
camponesa”.<br />
A respeito desse modelo, as professoras Ângela Botelho<br />
e Liana Reis escreveram em seu Dicionário Histórico<br />
<strong>Brasil</strong> — Colônia e Império:<br />
“Denominação dada pelos estudiosos atuais à prática <strong>do</strong>s<br />
senhores de conceder porções de terra a seus escravos,<br />
para que nelas cultivassem lavouras e criassem animais.<br />
Normalmente, o cultivo destas terras era feito aos<br />
<strong>do</strong>mingos e dias santos (...). Ao que tu<strong>do</strong> indica, essa<br />
prática foi comum no perío<strong>do</strong> colonial, especialmente no<br />
nordeste açucareiro. A<strong>do</strong>tada em regiões escravistas da<br />
América Central e sul <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, ficou<br />
conhecida na época como ‘costume <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>’.”<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Existência de atividades especializadas, exercidas<br />
por caldeireiros, purgadeiras, carpinteiros, etc.;<br />
Dissociação entre os produtores diretos (os escravos)<br />
e o produto final <strong>do</strong> trabalho;<br />
Produção visan<strong>do</strong> ao abastecimento de um merca<strong>do</strong><br />
crescente;<br />
Noção de que o produto final era o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
trabalho coletivo realiza<strong>do</strong> no engenho por muitos<br />
cativos.<br />
A maior expansão da agro manufatura açucareira ocorreu<br />
no final <strong>do</strong> século XVI e na primeira metade <strong>do</strong> século<br />
XVII, quan<strong>do</strong> a produção era realizada em mais de 250<br />
engenhos, coincidin<strong>do</strong> com o movimento acentua<strong>do</strong> de<br />
alta <strong>do</strong>s preços no merca<strong>do</strong> europeu.<br />
No entanto, a elevação <strong>do</strong>s preços não repercutiu no<br />
aumento da renda <strong>do</strong>s produtores coloniais em função <strong>do</strong><br />
regime de exclusivo comercial, como bem observou o<br />
historia<strong>do</strong>r Fernan<strong>do</strong> Novais:<br />
“O que é legítimo afirmar, comprova<strong>do</strong> pela<br />
<strong>do</strong>cumentação <strong>do</strong>s preços, é que com a fase de grande<br />
crescimento da economia açucareira assistimos ao seu<br />
enquadramento nas linhas de força <strong>do</strong> sistema colonial;<br />
os preços sobem pouco na colônia, a elevação é<br />
acentuada na metrópole, isto é, geram-se lucros<br />
excedentes — lucros monopolistas — que se acumulam<br />
entre os empresários metropolitanos”.<br />
NOVAIS, Fernan<strong>do</strong> A. Portugal e <strong>Brasil</strong> na Crise <strong>do</strong> Antigo Sistema Colonial.<br />
1777-1808. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1983. p. 80.<br />
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