História do Brasil
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TEXTO 7 - O NEGRO NA SOCIEDADE<br />
BRASILEIRA<br />
Paulo Moreira Leite<br />
Em 1988, ano <strong>do</strong> “centésimo aniversário da abolição da<br />
escravidão”, jornais e revistas procuraram fazer um<br />
levantamento da situação <strong>do</strong> negro na sociedade<br />
brasileira contemporânea. Nesse mesmo ano, várias<br />
entidades ligadas ao movimento negro protestaram<br />
contra a natureza de algumas “comemorações” e<br />
procuraram questionar o real significa<strong>do</strong> da libertação<br />
<strong>do</strong>s cativos (Lei Áurea, <strong>do</strong> dia 13 de maio de 1888). Para<br />
estas, naquele momento, era muito mais importante<br />
debater a condição <strong>do</strong> negro <strong>do</strong> que “comemorar a<br />
abolição”. Em maio de 1988, a revista Veja publicou<br />
uma matéria especial sobre o “Centenário da Abolição da<br />
Escravatura”, com da<strong>do</strong>s que conduziram a uma reflexão<br />
sobre a questão.<br />
Desde então, essa questão tem si<strong>do</strong> amplamente<br />
debatida, em grande parte devi<strong>do</strong> à ação <strong>do</strong>s movimentos<br />
que atuam pela defesa da cidadania plena, como o<br />
Movimento Negro Unifica<strong>do</strong> (MNU), que, em 1995, em<br />
sua “Carta de Princípios” afirmava: “E consideramos,<br />
enfim, que nossa luta de libertação deve ser somente<br />
dirigida por nós, queremos uma nova sociedade onde<br />
to<strong>do</strong>s realmente participem, como não estamos isola<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> restante da sociedade brasileira nos solidarizamos<br />
com toda e qualquer luta reivindicativa <strong>do</strong>s setores<br />
populares da sociedade brasileira que vise a real<br />
conquista de seus direitos políticos, econômicos e<br />
sociais; e com a luta internacional contra o racismo. Por<br />
uma autêntica democracia racial! Pela libertação <strong>do</strong> povo<br />
negro!”<br />
Já em 1996, durante o governo Fernan<strong>do</strong> Henrique<br />
Car<strong>do</strong>so (1995-2002), o então presidente proferiu um<br />
importante discurso por ocasião da instalação de uma<br />
comissão de trabalho voltada para a valorização da<br />
população negra. Na oportunidade, ele afirmou:<br />
“Existe, sim, preconceito no <strong>Brasil</strong>. A valorização <strong>do</strong><br />
negro implica também na luta contra o preconceito,<br />
porque ele existe. Ele aparece muito objetivamente, em<br />
termos de discriminação de salário, de não utilização de<br />
pessoas, não só de negros, de certos grupos raciais, não é<br />
o único grupo discrimina<strong>do</strong>, há outros grupos.”<br />
A partir de 2003, com o governo Luiz Inácio Lula da<br />
Silva, verificou-se um grande avanço nas conquistas <strong>do</strong>s<br />
negros e no debate sobre a construção de uma cidadania<br />
plena.<br />
Enquanto você lê o texto, procure refletir sobre as<br />
seguintes questões:<br />
1. Os números apresenta<strong>do</strong>s comprovam a colocação <strong>do</strong><br />
negro “na segunda classe” (título da matéria)?Justifique a<br />
resposta.<br />
2. Como o comportamento contraditório de alguns<br />
brasileiros, que é cita<strong>do</strong> pelo autor, se materializa no diaa-dia?<br />
Passa<strong>do</strong>s cem anos da Abolição, há no <strong>Brasil</strong> duas<br />
cidadanias distintas — a branca e a negra. Não é apenas<br />
uma questão de cor, é uma qualidade de vida. O negro,<br />
quan<strong>do</strong> nasce, tem 30% a mais de chances que o branco<br />
de morrer antes de completar 5 anos de idade. Quan<strong>do</strong><br />
cresce, tem o <strong>do</strong>bro das chances de sair da escola sem<br />
aprender a ler nem escrever. Quan<strong>do</strong> morre, acabou uma<br />
vida que se esperava de 50 anos.<br />
Se fosse branco, teria uma expectativa de vida de 63<br />
anos.<br />
O retrato formula<strong>do</strong> pelas estatísticas (Censo<br />
Demográfico de 1980) é deprimente, pelo que mostra em<br />
matéria de desigualdade. Também é didática, uma pessoa<br />
negra — quanto mais ela estuda para ter uma profissão<br />
bem remunerada, maior é a diferença entre seu salário e<br />
o de um branco.<br />
Exemplos dessa situação, com base em pesquisas<br />
realizadas nas cidades de São Paulo e Recife:<br />
— os rendimentos de um médico negro são 22% mais<br />
baixos que os de branco;<br />
— um engenheiro negro ganha 19% menos que um<br />
branco;<br />
— os professores negros ganham 18% menos que os<br />
brancos;<br />
— os motoristas brancos ganham 19% mais que os<br />
negros;<br />
- um metalúrgico torneiro mecânico negro recebe 12%<br />
menos que um branco;<br />
— o pedreiro negro ganha 11% menos que um branco.<br />
Ao longo <strong>do</strong> século XX, a elite nacional alimentou-se da<br />
retórica da democracia racial, varren<strong>do</strong> para baixo <strong>do</strong><br />
tapete da casa-grande os números da velha senzala. Até<br />
1976 os entrevista<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBGE simplesmente não tinham<br />
cor para falar da maioria de seus problemas. Até 1980 o<br />
Censo — pago por to<strong>do</strong>s os contribuintes<br />
— não reparava nos negros.<br />
Pelo seu tamanho, a população negra, expressão que<br />
indica tanto a pessoa que tem a pele preta, com reflexos<br />
azuis, como aquela chamada de mulata, é uma minoria<br />
— são 60 milhões de pessoas, ou 44% de to<strong>do</strong>s os<br />
habitantes <strong>do</strong> país. Pelo ângulo da pobreza, no entanto, a