História do Brasil
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prestavam diversos serviços, como registro contábil e<br />
controle e fiscalização <strong>do</strong> trabalho escravo.<br />
A autoridade <strong>do</strong> senhor de engenho se fazia sentir não<br />
apenas sobre os seus familiares, mas também sobre os<br />
agrega<strong>do</strong>s e a massa de escravos.<br />
As relações de dependência de to<strong>do</strong>s em relação ao<br />
grande proprietário conferiam a essa sociedade um<br />
caráter patriarcal. Era ele, senhor de engenho, quem<br />
garantia os recursos financeiros para a manutenção <strong>do</strong>s<br />
serviços necessários à comunidade (construção, reforma<br />
e preservação de igrejas, atendimento na área de saúde,<br />
entre outros).<br />
A reprodução dessa estrutura patriarcal era garantida<br />
pelo direito de primogenitura: apenas ao filho mais velho<br />
<strong>do</strong> senhor de engenho cabia o direito de herança. To<strong>do</strong>s<br />
os demais membros da família, agrega<strong>do</strong>s e escravos se<br />
mantinham na mais estrita dependência <strong>do</strong> senhor de<br />
engenho. Uma das consequências dessa<br />
dependência/<strong>do</strong>minação foi o estabelecimento de uma<br />
estreita rede de proteção e de favores. Esse clientelismo,<br />
particularmente em zonas rurais de várias regiões<br />
brasileiras, perpetuou-se através <strong>do</strong>s tempos e, mesmo<br />
em menor escala, ainda hoje persiste. Seus<br />
des<strong>do</strong>bramentos são perceptíveis até mesmo na esfera<br />
política.<br />
No início <strong>do</strong> século XVIII, o religioso André João<br />
Antonil, em seu livro Cultura e Opulência <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>,<br />
percebeu a <strong>do</strong>minação patriarcal inerente à sociedade<br />
açucareira e a importância dada ao “ser senhor de<br />
engenho”:<br />
“O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram,<br />
porque traz consigo o ser servi<strong>do</strong>, obedeci<strong>do</strong> e respeita<strong>do</strong><br />
de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal<br />
(homem que possui riquezas) e governo, bem se pode<br />
estimar no <strong>Brasil</strong> o ser senhor de engenho, quanto<br />
proporcionadamente se estimam os títulos entre os<br />
fidalgos <strong>do</strong> reino”.<br />
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>. 3. ed. Belo Horizonte:<br />
Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2982. p. 89.<br />
No século XX, a estrutura social <strong>do</strong> engenho foi estudada<br />
de forma inova<strong>do</strong>ra pelo soci6logo Gilberto Freyre<br />
(1900-1987). Segun<strong>do</strong> ele, o patriarcalismo, a <strong>do</strong>minação<br />
e a violência que caracterizaram as relações sociais no<br />
<strong>Brasil</strong> Colônia foram amenizadas pela miscigenação,<br />
pela “cordialidade” e pela tolerância moral.<br />
Em sua obra Casa-Grande e Senzala, publicada em 1933,<br />
Gilberto Freyre procurou compreender a dinâmica dessa<br />
sociedade patriarcal por meio <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> das crenças,<br />
festas, tradições e <strong>do</strong>s costumes <strong>do</strong> mosaico étnico que a<br />
constituiu, salientan<strong>do</strong> que a miscigenação deu a ela um<br />
caráter único e diverso:<br />
“considerada de mo<strong>do</strong> geral, a formação brasileira tem<br />
si<strong>do</strong>, na verdade, (...) um processo de equilíbrio de<br />
antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura.<br />
A cultura européia e a indígena. A européia e a africana.<br />
A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril.<br />
A agrária e a mineira. O católico e o herege, o jesuíta e o<br />
fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O<br />
paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O<br />
grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto.<br />
Mas pre<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> sobre to<strong>do</strong>s os antagonismos, o mais<br />
geral e o mais profun<strong>do</strong>: o senhor e o escravo. É verdade<br />
que agin<strong>do</strong> sempre entre tantos antagonismos<br />
contundentes, amortecen<strong>do</strong>-lhes o choque ou<br />
harmonizan<strong>do</strong>-os, condições de confraternização e de<br />
mobilidade social peculiares ao <strong>Brasil</strong>: a miscigenação,<br />
(...) a fácil e frequente mudança de profissão e de<br />
residência, o fácil e frequente acesso a cargos e a<br />
elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de<br />
filhos naturais, (...) a tolerância moral, a hospitalidade a<br />
estrangeiros, a intercomunicação entre as diferentes<br />
zonas <strong>do</strong> país.”<br />
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e Senzala. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />
1950. v. 1. p.170-171.<br />
Em relação aos escravos da região açucareira, que<br />
desempenhavam as mais diversas atividades (preparo da<br />
terra, plantio e corte da cana-de-açúcar, transporte desta<br />
até os engenhos, atividades inerentes ao fabrico <strong>do</strong><br />
açúcar, trabalhos <strong>do</strong>mésticos, etc.), o jesuíta Antonil<br />
ressaltou a importância deles para o conjunto da<br />
economia: “Os escravos são as mãos e os pés <strong>do</strong> senhor<br />
de engenho porque sem eles no <strong>Brasil</strong> não é possível<br />
fazer, conservar e aumentar fazendas nem ter engenho<br />
corrente”.<br />
Diversidade e <strong>do</strong>minação na região da<br />
mineração<br />
Durante o século XVIII, o centro de gravidade da<br />
economia colonial deslocou-se para as regiões Sudeste e<br />
Centro-Oeste em função da exploração <strong>do</strong> ouro e <strong>do</strong>s<br />
diamantes.<br />
Ao mesmo tempo, particularmente na Capitania de<br />
Minas Gerais, a economia se tornou mais diversificada<br />
com o desenvolvimento da agricultura, da pecuária, <strong>do</strong><br />
comércio e <strong>do</strong> artesanato.<br />
Tal diversificação contribuiu para a formação de uma<br />
sociedade pre<strong>do</strong>minantemente urbana, porém sem<br />
possibilidades reais de ascensão social, em especial para<br />
aqueles considera<strong>do</strong>s “desclassifica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ouro”, ou seja,<br />
homens livres destituí<strong>do</strong>s de recursos.<br />
No entanto, é importante considerar que a vida urbana<br />
não teve início com a exploração <strong>do</strong> ouro e <strong>do</strong>s<br />
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