História do Brasil
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Deve-se agora pagar por isso; paga-se, porém,<br />
prazerosamente. Só o ato de poder passear lá dentro já é<br />
encara<strong>do</strong> por muitos pobres visitantes (velhos senhores e<br />
senhoras, crianças de colo com suas mães, casaizinhos de<br />
todas as idades) como uma dádiva: o aparente luxo, a<br />
organização, o “participar” das novidades da moda, da<br />
eletrônica, da culinária são ofereci<strong>do</strong>s gratuitamente. Os<br />
restaurantes demonstram, de forma particularmente<br />
flagrante, o luxo e a variedade dessa viagem: no<br />
“Terraço” encontram-se, um após o outro, o Churrasco<br />
(nacional), a Trattoria <strong>do</strong> Guappo, onde tu<strong>do</strong> é reforça<strong>do</strong><br />
com as cores peninsulares verde e vermelha, a cozinha<br />
árabe, o Munique, onde os garçons são vesti<strong>do</strong>s à moda<br />
da Baviera, e em to<strong>do</strong>s eles há mesas na calçada: o<br />
freguês sente-se como se estivesse na Piazza Santa Maria<br />
in Trastevere em Roma, na avenida <strong>do</strong>s Champs Elysées<br />
em Paris, ou mesmo, para os mais humildes, na Plaza<br />
Mayor, em Madri. Não é proibi<strong>do</strong> sonhar. Tu<strong>do</strong> ali<br />
convida para Osso; é a própria materialização <strong>do</strong> sonho.<br />
Essas experiências de “<strong>do</strong>mesticação” (no senti<strong>do</strong><br />
original, trazer para dentro de casa) <strong>do</strong> social, <strong>do</strong> público,<br />
<strong>do</strong> aberto permitem ao frequenta<strong>do</strong>r uma sensação<br />
parecida com a <strong>do</strong>s cafés europeus. Nada de esmolas,<br />
nada de me<strong>do</strong>s de assaltos, nada de preocupação com<br />
adaptação, língua, costumes etc.: “o shopping<br />
abrasileirou o estrangeiro para você”. Basta um<br />
“pulinho” que já se está lá. Enquanto em São Paulo os<br />
cafés de rua são suprimi<strong>do</strong>s e substituí<strong>do</strong>s por lojas,<br />
deixan<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> prazeroso da cidade, sua face<br />
“romântica”, progressivamente suplantada pelo comércio<br />
gastronômico ligeiro e desconfortável (nada existe aqui<br />
como os restaurantes europeus de tradição hispânica, por<br />
exemplo, que oferecem to<strong>do</strong> o conforto no café da<br />
manhã, com mesas e garçons, e utiliza ao mesmo tempo<br />
esse espaço e o pessoal para o almoço e o café da tarde),<br />
enquanto nossa vida urbana deteriora-se a olhos vistos,<br />
no mun<strong>do</strong> artificial <strong>do</strong> shopping isto retorna, agora<br />
“purifica<strong>do</strong>”, pasteuriza<strong>do</strong> das bactérias infestas de<br />
realismo ambiental.<br />
MARCONDES FILHO, Ciro. “Shopping center”: o LSD da classe nédia. In:___<br />
(Org.). Quem manipula quem? Poder e massas na indústria da cultura e da<br />
comunicação no <strong>Brasil</strong> Petrópolis: Vozes. 1986. p. 81-82; 84-85.<br />
TEXTO 10 - “MÁQUINA DE EXTERMÍNIO”: DA<br />
REPRESSÃO POLÍTICA À REPRESSÃO<br />
POLICIAL<br />
Caco Barcellos<br />
O jornalista Caco Barcellos, após cinco anos de<br />
pesquisas, publicou o livro Rota 66, que discorre sobre a<br />
história da polícia que mata, perceben<strong>do</strong> que esta, uma<br />
pequena parte da polícia de São Paulo, bastante ativa, por<br />
sinal, espécie de “esquadrão da morte oficial”, teve suas<br />
origens na máquina de extermínio de opositores<br />
construída nos porões da ditadura militar. Com o término<br />
<strong>do</strong> “perigo terrorista” e a eliminação <strong>do</strong>s grupos<br />
guerrilheiros, o “sistema mortal de extermínio” que havia<br />
si<strong>do</strong> monta<strong>do</strong> naquela época acabou sen<strong>do</strong> reorganiza<strong>do</strong><br />
e redireciona<strong>do</strong> para exercer outras funções,<br />
caraterizadas pela mesma violência anteriormente<br />
observada.<br />
Seu livro, uma denúncia em forma de reportagem, é<br />
revela<strong>do</strong>r da coragem e determinação de Caco Barcellos<br />
em investigar um tema tão polêmico numa época em que<br />
o regime militar ainda era atuante.<br />
Esse trabalho também é uma valiosa contribuição para a<br />
afirmação da cidadania plena, ao denunciar os abusos<br />
contra os direitos humanos.<br />
Enquanto você lê o texto, procure refletir sobre a<br />
seguinte questão:<br />
Quais as evidências apresentadas no texto que permitem<br />
estabelecer uma relação entre a “máquina de extermínio”<br />
montada à época da ditadura militar e a “máquina de<br />
extermínio” que passou a agir contra outros “opositores”<br />
majoritariamente pessoas humildes?<br />
A leitura das primeiras 1725 edições <strong>do</strong> NP (jornal<br />
Notícias Populares, que, a partir <strong>do</strong>s boletins de<br />
ocorrência policiais, noticiava os casos de mortes<br />
envolven<strong>do</strong> policiais), resultaram na descoberta de 274<br />
pessoas mortas em supostos tiroteios pela cidade de 70 a<br />
75. É um número impressionante, mesmo se compara<strong>do</strong><br />
com a matança de grupos de extermínio. Significa mais<br />
<strong>do</strong> que o <strong>do</strong>bro das vítimas <strong>do</strong> temível Esquadrão da<br />
Morte de São Paulo, por exemplo, forma<strong>do</strong> por policiais<br />
civis, atuante no começo dessa mesma década de 70.<br />
Supera também o número de baixas de um perío<strong>do</strong> negro<br />
da repressão política no país, nas décadas de 60 e 70. Os<br />
agentes <strong>do</strong> Exército e da Polícia Civil, envolvi<strong>do</strong>s no<br />
combate a ativistas políticos, são acusa<strong>do</strong>s da execução<br />
de 269 pessoas — 144 oficialmente mortos, 125<br />
desapareci<strong>do</strong>s. O sal<strong>do</strong> da matança da PM, somente até<br />
1975, já é maior, portanto, que o número de mortos e<br />
desapareci<strong>do</strong>s políticos durante to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> de 21<br />
anos de ditadura militar.<br />
Um outro da<strong>do</strong> revela<strong>do</strong>r (...) é o perfil <strong>do</strong>s homens que<br />
matam com maior frequência durante o policiamento. (..)<br />
Revelada a identidade, constato que alguns deles já<br />
prestaram serviço aos órgãos de segurança da ditadura.<br />
Antes de falar <strong>do</strong>s mata<strong>do</strong>res da PM devo observar o<br />
seguinte: a maioria <strong>do</strong>s 50 mil homens que forma a<br />
Polícia Militar de São Paulo em 1975, felizmente, não<br />
173