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História do Brasil

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situação se inverte: entre os 10 milhões de famílias que<br />

sobrevivem, to<strong>do</strong>s os meses, com uma apertada renda<br />

mensal inferior a 26.100 cruza<strong>do</strong>s, os negros são 60%.<br />

Ou seja, de cada dez brasileiros quatro são pretos, mas<br />

em cada dez pobres os pretos são seis. Pelo raciocínio<br />

convencional da evolução econômica através da<br />

educação, os pretos caíram no círculo vicioso segun<strong>do</strong> o<br />

qual são pobres porque não estudam. O Censo informa<br />

que, para o negro, estudar ajuda, e muito, mas não<br />

resolve. Um médico preto ganha menos que um branco e<br />

uma secretaria negra recebe 40% menos de salário que a<br />

branca.<br />

No Centenário da Abolição, um país que produz um PIB<br />

de 313 bilhões de dólares paga um salário mínimo de 60<br />

dólares por mês. Há estu<strong>do</strong>s, na Faculdade de Saúde<br />

Pública da Universidade de São Paulo, que comprovam<br />

que o escravo — macho e útil — Tinha uma alimentação<br />

mais rica em proteínas e calorias <strong>do</strong> que a que se<br />

consegue comprar hoje, nas prateleiras <strong>do</strong>s<br />

supermerca<strong>do</strong>s, com 60 dólares mensais no bolso.<br />

Colocada na ilegalidade desde 1951, com a Lei Afonso<br />

Arinos, a discriminação é uma atividade integrada à vida<br />

cotidiana da população como um da<strong>do</strong> banal de<br />

paisagem. Seu fundamento não é um sistema jurídico<br />

passa<strong>do</strong> em cartório (...), mas um conjunto de regras<br />

informais que as pessoas cumprem de forma quase<br />

automática. No <strong>Brasil</strong>, o preconceito racial tem<br />

comportamento agressivo, mas o grande da<strong>do</strong> cultural <strong>do</strong><br />

aniversário da Abolição, contu<strong>do</strong>, reside no fato de que o<br />

racismo não é visto, até hoje, como aquilo que é — um<br />

crime —, mas como uma opção de comportamento, da<br />

qual as pessoas podem até se envergonhar, em publico,<br />

mas que alimentam, nas situações privadas.<br />

Observação: A Constituição <strong>Brasil</strong>eira, promulgada em<br />

outubro de 1988, tornou o racismo crime. Art. 5º XLII —<br />

a prática <strong>do</strong> racismo constitui crime inafiançável e<br />

imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos ternos da<br />

lei.<br />

LEITE, Paulo Moreira. Na segunda classe. Veja, São Paulo: Abril, p. 22, 25, 26 e<br />

28, 11 maio 1988.<br />

TEXTO 8 - FUNERAL DE UM LAVRADOR<br />

João Cabral de Melo Neto<br />

João Cabra! é considera<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s poetas mais<br />

importantes <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>. Nasceu em 1920, no Recife. Sua<br />

estréia literária data de 1942, com o livro Pedro <strong>do</strong> Sono.<br />

A temática de João Cabral está dividida em duas fases: a<br />

primeira não se relaciona diretamente com questões<br />

sociais; a poesia é abstrata e contém muitas imagens<br />

surrealistas; a maior preocupação com o social surgiu a<br />

partir de 1947, momento em que o poeta começou a<br />

exercera carreira diplomática no exterior. Nessa segunda<br />

fase, João Cabral destacou o personagem <strong>do</strong> retirante, o<br />

sertanejo que busca o litoral para fugir <strong>do</strong>s flagelos da<br />

seca e da opressão <strong>do</strong> latifúndio. Em 1955, ele escreveu<br />

Morte e Vida Severina, um auto de Natal no qual o<br />

personagem principal é “Severino retirante” um<br />

nordestino revolta<strong>do</strong> e oprimi<strong>do</strong> pela estrutura agrária da<br />

região.<br />

O grande público conheceu Morte e Vida Severina<br />

quan<strong>do</strong> o poema foi leva<strong>do</strong> para o teatro pelo TUCA<br />

(Grupo de Teatro da Universidade Católica de São<br />

Paulo), com música de Chico Buarque. O trecho<br />

seleciona<strong>do</strong> relaciona-se à estrutura fundiária e à<br />

necessidade da implementação de uma reforma agrária:<br />

Severino (personagem central) assiste ao enterro de um<br />

trabalha<strong>do</strong>r (lavra<strong>do</strong>r) e ouve o que dizem <strong>do</strong> morto os<br />

amigos que o levaram ao cemitério; somente nessa<br />

condição o lavra<strong>do</strong>r teria para si, “como sapato, camisa e<br />

morada” a terra que por muito lutou.<br />

Enquanto você lê o texto, procure refletir sobre a<br />

seguinte questão:<br />

Quais são as passagens que nos mostram a necessidade<br />

da reforma agrária para o lavra<strong>do</strong>r?<br />

Assiste ao enterro de um trabalha<strong>do</strong>r de eito e ouve o<br />

que dizem <strong>do</strong> morto os amigos que o levaram ao<br />

cemitério<br />

— Essa cova em que estás,<br />

com palmos medida,<br />

é a conta menor<br />

que tiraste em vida,<br />

— E de bom tamanho,<br />

nem largo nem fun<strong>do</strong>,<br />

é a parte que te cabe<br />

deste latifúndio.<br />

— Não é cova grande,<br />

é cova medida,<br />

é a terra que querias<br />

ver dividida.<br />

— É uma cova grande<br />

para teu pouco defunto,<br />

mas estarás mais ancho<br />

que estavas no mun<strong>do</strong><br />

— É uma cova grande<br />

para teu defunto parco,<br />

porém mais que no mun<strong>do</strong><br />

te sentirás largo<br />

— É uma cova grande<br />

para tua carne pouca,<br />

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