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As tensões temporais em Mrs Dalloway

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janela -, Clarissa sente que tudo ficará b<strong>em</strong>. A festa havia começado. Clarissa deve viver este<br />

t<strong>em</strong>po presente, t<strong>em</strong>po do acontecimento da festa, ao invés de antecipar, constant<strong>em</strong>ente, seu<br />

fim. Há algo de peculiar nesta parte da narrativa; parece que Clarissa está esperando o<br />

acontecimento de outra coisa 212 . A sensação de fracasso está s<strong>em</strong>pre presente <strong>em</strong> sua<br />

trajetória. Se a festa fracassar, Clarissa também fracassa, devido à sua condição social<br />

enquanto mulher. A janela novamente representa o limite entre a vida que está lá fora 213 , o<br />

desconhecido, o fluxo da metrópole, e a vida íntima, o conhecido lar/lugar. Quando a cortina<br />

se movimenta, permite a entrada desse outro ar, que, carregado com novidade, torna tudo<br />

possível. É só através da contenção de Ralph, que a festa fecha-se novamente <strong>em</strong> si e Clarissa<br />

certifica-se de que tudo dará certo. Não é permitida a entrada de nada alheio <strong>em</strong> uma festa tão<br />

habitual. No entanto, ainda havia algo de estranho no ar: as pessoas estavam apressadas e o<br />

t<strong>em</strong>po parecia estar fora do seu ritmo.<br />

Clarissa conversa um pouco com todos os convidados, na chegada, e estes se<br />

movimentam aos quartos, “[...] into something now, not nothing, since Ralph Lyon had beat<br />

back the curtain” 214 . A cortina pode estar igualmente representando um palco, no qual ocorre<br />

uma peça de teatro; enquanto Ralph <strong>em</strong>purra a cortina para trás, a peça continua. Como a arte<br />

imita a vida, é possível pensar que, de acordo com essa metáfora, a vida continua, pois s<strong>em</strong>pre<br />

há alguém – e nesta t<strong>em</strong>poralidade histórica/cronológica, um hom<strong>em</strong> - para segurar a cena. O<br />

quarto representa um lugar conhecido e livre das int<strong>em</strong>péries do mundo que está lá fora,<br />

distante. <strong>As</strong>sim, o conhecido e familiar, parentesco do habitual, mantém-se dominante e<br />

ilusório, se visto através da metáfora do palco. Clarissa pensava na quantidade de esforço<br />

desprendido para a realização de uma festa, por isso não conseguia aproveitar plenamente este<br />

212<br />

Qu<strong>em</strong> sabe, a entrada da morte de Septimus. Em sua dissertação de mestrado, Josalba Ramalho Vieira analisa<br />

os acontecimentos específicos da cada pontualidade do Big Ben. A idéia de uma conexão entre os personagens<br />

de Septimus e Clarissa mostra-se presente extamente no meio do dia e no meio da narrativa. Às 12 horas,<br />

Clarissa e Septimus escutam as batidas da hora. Segundo a autora, “This is exactly the middle of the book and<br />

the middle of the day. Clarissa and Septimus are both preparing for something: her party and his death”.<br />

VIEIRA, Josalba Ramalho. Henri Bergson’s theory of time and Virginia Woolf’s <strong>Mrs</strong>. <strong>Dalloway</strong>, To the<br />

lighthouse and The waves, op. cit, p. 43. “É exatamente o meio do livro e o meio do dia. Clarissa e Septimus<br />

estão ambos se preparando para algo: sua festa e sua morte” (Tradução de minha autoria). De acordo com esta<br />

leitura, é possível pensar que Clarissa e Septimus estão conectados através de toda a narrativa, mesmo que isto<br />

seja invisível ao leitor. Aliás, talvez as formas de visibilidade desta conexão sejam através da t<strong>em</strong>poralidade<br />

cronológica e da festa de Clarissa, pois ambas têm esta função.<br />

213<br />

É possível pensar na divisão clássica entre os espaços privado e público. O lugar habitual da mulher, nesta<br />

t<strong>em</strong>poralidade específica, é o privado. Através de suas festas, no entanto, Clarissa consegue internalizar –<br />

colocar para dentro de seu espaço privado – os acontecimentos que lhe são exteriores, através dos seus<br />

convidados. Talvez esta seja outra maneira que Clarissa t<strong>em</strong> para manter algum tipo de equilíbrio psíquico,<br />

deixando entrar um pouco da vida que transcorre para fora de sua janela.<br />

214<br />

WOOLF, Virginia. <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, op. cit.,p. 124. “[...] iam entrando, espalhando-se pelas salas, desde que<br />

Ralph Lyon endireitara a cortina”. p. 163.<br />

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