14.04.2013 Views

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

marcado somente pela certeza linear dos meses que constitu<strong>em</strong> o calendário e a referência<br />

social.<br />

Clarissa, sob o céu aberto de Londres, está indo comprar as flores. Enquanto espera<br />

para atravessar a rua, pensa <strong>em</strong> sua vizinha e <strong>em</strong> Westminster.<br />

For having lived in Westminster – how many years now? Over<br />

twenty – one feels even in the midst of traffic, or waking at night,<br />

Clarissa was positive, a particular hush, or sol<strong>em</strong>nity; an<br />

undescribable pause; a suspense (but that might be her heart, affected,<br />

they said by influenza) before Big Ben strikes. There! Out it boomed.<br />

First a warning, musical; then the hour, irrevocable. The leaden<br />

circles dissolved in the air. 154<br />

Enquanto Clarissa pensa que sente algo solene ou uma pressa particular no meio do fluxo da<br />

cidade, no tráfego e nas irrupções do sono, alguma coisa se presentifica para além dela e de<br />

seus pensamentos. Um suspense, uma breve antecipação toma conta do espaço, como se fosse<br />

seu coração no momento efêmero antes de sua batida. É então que o Big Ben ressoa - pela<br />

primeira vez na narrativa, musicalmente e depois, de forma irrevogável. O coração da cidade<br />

bate, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que dissolve seus círculos direcionados. A força do relógio aparece<br />

enquanto instrumento de subjetivação, que habitua e direciona os habitantes de Londres,<br />

impondo o ritmo do funcionamento da cidade e de sua multidão, como se tudo fosse um só<br />

coração a bater. Neste momento, é possível pensar, primeiramente, que o Big Ben produz a<br />

massificação de sua multidão, através da metáfora da batida de um só coração, mas que logo<br />

depois, descentraliza sua força direcionadora e dissolve seu poder. Neste sentido, afirma-se<br />

que a t<strong>em</strong>poralidade cronológica não é percebida/vivida de forma estanque. A sonoridade do<br />

Big Ben pontua e unifica – é antecipada por Clarissa como se fosse seu próprio coração quase<br />

a bater - mas dissolve-se no espaço, perdendo sua força dominadora e possibilitando a<br />

abertura à singularidade. A idéia de um coração ‘afetado’ pode estar representando, como<br />

olhar crítico à configuração social patriarcal, a força da influenza que percorre todo o âmbito<br />

social, mas que marca, essencialmente, o corpo das mulheres.<br />

Após a interrupção de seus pensamentos pela batida do relógio, Clarissa pensa no seu<br />

amor pela vida; nesta enquanto ato de criação e percepção: “[...] how one sees it so, making it<br />

154 Id<strong>em</strong>, p. 3-4. “Tendo vivido <strong>em</strong> Westminster – há quantos anos agora? mais de vinte -, sente-se, até no meio<br />

do tráfego, ou quando se desperta à noite, Clarissa b<strong>em</strong> o sabia, um particular silêncio ou solenidade; uma<br />

indescritível pausa; aquela suspensão (ou seria do seu coração, que diziam afetado pela influenza?) antes que<br />

batesse o Big Ben. Agora! Já vibrava. Primeiro um aviso, musical; depois a hora, irrevogável. Os pesados<br />

círculos dissolviam-se no ar”. p. 8.<br />

72

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!