14.04.2013 Views

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Dalloway</strong> ainda não haviam feito uma visita. Clarissa não iria, disse Sally, pois, no fundo, ela<br />

era uma esnobe. “A snob was she? Yes, in many ways. Where was she, all this time? It was<br />

getting late” 245 . Peter não consegue esconder o sofrimento inserido no t<strong>em</strong>po da espera. “Por<br />

onde ela andou, durante todo este t<strong>em</strong>po?”, está r<strong>em</strong>etendo ao t<strong>em</strong>po da realização do<br />

encontro entre os dois, Peter e Clarissa, que ainda não foi efetivado. Para além do t<strong>em</strong>po<br />

presente da festa, a espera de Peter diz respeito à t<strong>em</strong>poralidade do afeto; a possibilidade da<br />

realização desse amor insere-se numa ord<strong>em</strong> t<strong>em</strong>poral qualitativa e constante. A duração<br />

permanente do t<strong>em</strong>po ass<strong>em</strong>elha-se a uma suspensão t<strong>em</strong>poral, ou a uma potência que<br />

atravessa toda a narrativa e que requer realização. Não existe hora marcada para o amor.<br />

Neste momento, as t<strong>em</strong>poralidades d<strong>em</strong>onstram a imbricação que as constitu<strong>em</strong> como parte<br />

de um mesmo t<strong>em</strong>po-espaço – a festa de Clarissa. No presente da festa, o passado é<br />

constant<strong>em</strong>ente atualizado, e a espera por Clarissa antecipa o t<strong>em</strong>po futuro, desde muito<br />

t<strong>em</strong>po, aliás. Clarissa mantém-se presente nas l<strong>em</strong>branças de Peter e Sally. Pensavam <strong>em</strong><br />

como ela era, nos dias de Bourton: tinha um coração puro e era muito sentimental.<br />

115<br />

For she had come to feel that it was the only thing worth saying<br />

– what one felt. Cleverness was silly. One must say simply what one<br />

felt.<br />

‘But I do not know,’ said Peter Walsh, ‘what I feel.’<br />

Poor Peter, thought Sally. Why did not Clarissa come and talk to<br />

th<strong>em</strong>? That was what he was longing for. She knew it. All the time he<br />

was thinking only of Clarissa [...] 246<br />

A impossibilidade de efetivar uma comunicação verdadeira, no que diz respeito ao<br />

afeto, r<strong>em</strong>ete não só às conseqüências trágicas da Primeira Guerra, de acordo com a leitura de<br />

Walter Benjamin, mas a uma condição específica instaurada no t<strong>em</strong>po da Modernidade 247 .<br />

Naquele t<strong>em</strong>po passado – <strong>em</strong> Bourton -, Clarissa acreditava que só valia a pena dizer o que<br />

estava efetivamente conectado com o sentimento, o sentido. São raros os momentos nos quais<br />

os personagens de <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong> consegu<strong>em</strong> falar de seus afetos e oferecer sentido às suas<br />

vidas. O t<strong>em</strong>po é outro: a juventude passou, a Guerra teve seu lugar, e o som do Big Ben<br />

245<br />

Id<strong>em</strong>, p. 139. “Seria uma esnobe, Clarissa? Sim, de certo modo. Por onde andaria ela, todo aquele t<strong>em</strong>po? Ia<br />

ficando tarde”. Id<strong>em</strong>.<br />

246<br />

Id<strong>em</strong>. “Pois sentia agora que a única coisa que vale a pena dizer é o que se sente, afinal. A inteligência era<br />

uma estupidez. Devia-se dizer simplesmente o que sentia. – Mas eu não sei – disse Peter Walsh -, eu não sei o<br />

que sinto. Pobre Peter, pensou Sally. Por que não vinha Clarissa falar com eles? Era isso que Peter estava<br />

esperando. Ela o sabia. E durante todo o t<strong>em</strong>po estivera a pensar unicamente <strong>em</strong> Clarissa [...]” p. 184.<br />

247<br />

A instauração de uma “vida psicológica” interna efetivou-se neste período histórico, por isso, e de acordo<br />

com as conversas com a Prof. Dra. Sônia Maluf, a dificuldade <strong>em</strong> falar dos sentimentos, que tornam-se cada<br />

vez mais singulares.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!