14.04.2013 Views

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

up, building it round one, tumbling it, creating it every moment afresh [...]” 155 . A dissolução<br />

dos círculos cronológicos oferece a abertura à vida, especialmente aos momentos nos quais<br />

ela se faz. Clarissa ama a vida, naquele exato momento de junho <strong>em</strong> Londres. Nesta<br />

passag<strong>em</strong>, a própria precisão do cronos não contraria a intensidade que o momento pode<br />

oferecer quando é percebido e vivido no ‘agora’ de sua existência. Esta leitura ass<strong>em</strong>elha-se<br />

ao conceito de ser-t<strong>em</strong>po proposto na filosofia de Comte-Sponville. A marcação do mês de<br />

junho inicia o próximo parágrafo com sua função referencial. A guerra havia acabado, exceto<br />

para <strong>Mrs</strong> Foxcroft, que trabalhava na Embaixada e lidava com seus efeitos ou “restos”, e para<br />

Lady Bexborough que havia perdido seu filho predileto. Mas, para Clarissa, a guerra havia<br />

acabado. É interessante pensar que Clarissa põe um ponto final no grande acontecimento da<br />

guerra, como se desejasse esquecer sua existência, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que afirma seus<br />

efeitos enquanto representantes de sua continuação. Estes “restos” ou “ruínas”, se lidas de<br />

acordo com o pensamento de Benjamin, inevitavelmente manterão conservadas suas forças<br />

germinativas através do t<strong>em</strong>po. <strong>As</strong>sim, é impossível pensar no fim dos efeitos de um<br />

acontecimento tão grandioso e devastador como esse, que viria, aliás, a reconfigurar toda a<br />

ord<strong>em</strong> social. Nesta passag<strong>em</strong>, Virginia Woolf situa o leitor, através de Clarissa, <strong>em</strong> sua<br />

própria t<strong>em</strong>poralidade histórica enquanto escritora, oferecendo à narrativa um “local de<br />

Verdades” 156 .<br />

O acontecimento da guerra não parece estar diretamente relacionado à vida de<br />

Clarissa, somente na medida <strong>em</strong> que ambos se localizam <strong>em</strong> uma mesma t<strong>em</strong>poralidade. O<br />

mês de junho faz o personag<strong>em</strong> relatar outros acontecimentos, mais corriqueiros, como a<br />

presença do Rei e da Rainha da Inglaterra no Palácio, e d<strong>em</strong>onstrar um êxtase por fazer parte<br />

desta configuração factual. Clarissa pensa na determinação que t<strong>em</strong> <strong>em</strong> “iluminar” a<br />

sociedade, através da festa que proporcionará, na noite que está por vir. Esta “felicidade” que<br />

Clarissa diz sentir não soa muito verdadeira 157 , pois parece que para o seu b<strong>em</strong> estar, ela deve<br />

“selecionar” os acontecimentos e as situações que lhe convém. É possível pensar que esta seja<br />

uma forma “defensiva” que Clarissa t<strong>em</strong> de habitar uma sociedade que não lhe oferece<br />

lugares de escolha, mas somente um lugar de aceitação ao que lhe é dado, enquanto mulher<br />

pertencente a esta t<strong>em</strong>poralidade. A aceitação <strong>em</strong> ser o que lhe é dado a ser pode estar<br />

representando uma defesa subjetiva, <strong>em</strong> uma sociedade patriarcal que só oferece à mulher<br />

155<br />

Id<strong>em</strong>, p.4. “[...] como se considera a isto, compondo-o s<strong>em</strong>pre, construindo-o s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> torno de nós,<br />

derribando-o, criando-o de novo a cada instante; [...]”. Id<strong>em</strong>.<br />

156<br />

Utilizo novamente a riqueza deste locus benjamininano. Conforme SELIGMANN-SILVA, op. cit..<br />

157<br />

Esta maneira ilusória de como a Clarissa se percebe na narrativa, foi discutida no momento da qualificação da<br />

dissertação.<br />

73

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!