14.04.2013 Views

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

As tensões temporais em Mrs Dalloway

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

eticências suger<strong>em</strong> tanto o infinito das possibilidades que engendram o espaço da abertura,<br />

quanto o fechamento que a escolha produz, ao rejeitar todas as outras possibilidades. Mas<br />

teria ela escolha? De acordo com a configuração instituída numa rede social que oferece<br />

possibilidades somente aos homens, não. Clarissa, como forma de preservação da sua saúde<br />

“fragilizada”, segue o caminho “natural” 179 que uma mulher de sua classe deve seguir, mesmo<br />

que, com isso, seu coração seja atravessado por uma flecha de dor. Peter e Clarissa também<br />

l<strong>em</strong>bram – s<strong>em</strong> exatamente colocar tal l<strong>em</strong>brança <strong>em</strong> palavras – que Justin, pai de Clarissa,<br />

não gostou da atitude que Peter teve ao pedir Clarissa <strong>em</strong> casamento. A atualização desta cena<br />

carrega consigo a tristeza que Clarissa carrega no peito.<br />

And as if in truth he were sitting there on the terrace he edged a<br />

little towards Clarissa; put his hand out; raised it; let it fall. There<br />

above th<strong>em</strong> hung that moon. She too se<strong>em</strong>ed to be sitting with him on<br />

the terrace, in the moonlight [...] For why go back like this to the<br />

past? He thought. Why make him think of it again? Why make him<br />

suffer, when she had tortured him so infernally? Why? 180<br />

O sofrimento deste passado torna-se presente, novamente, para Peter. Mas ele pensa<br />

na diferença de suas vida, na posição de Clarissa como perfeita dona de casa e no fracasso que<br />

ele representava para os <strong>Dalloway</strong>, pois não se interessava <strong>em</strong> ser um hom<strong>em</strong> b<strong>em</strong><br />

posicionado socialmente. Gostava de viajar, de se aventurar e de ler romances. Observa-se,<br />

nesta passag<strong>em</strong>, que Peter, enquanto hom<strong>em</strong>, encontra uma gama de possibilidades a escolher<br />

para sua vida 181 . A força germinativa das ruínas do passado cessa, e a vida cotidiana do<br />

179 A idéia de uma naturalização das ações f<strong>em</strong>ininas e do próprio sexo f<strong>em</strong>inino, por ex<strong>em</strong>plo, advém<br />

justamente da estratégia <strong>em</strong> manter a sociedade dominada e controlada pelos homens. De acordo com Richard<br />

“La d<strong>em</strong>onstración de cómo la identidad y el género sexuales son ‘efectos de significación’ del discurso<br />

cultural que la ideologia patriarcal ha ido naturalizando a través de su metafísica de las substancias, es útil<br />

para romper com el determinismo de la relación sexo (‘mujer’) – género (‘f<strong>em</strong>enino’) vivida como relación<br />

plena, unívoca y transparente”. RICHARD, Nelly. F<strong>em</strong>inismo, experiencia y representación. Revista<br />

Iberoamericana, v. 62, n. 176-177, p. 733-744, julio/dici<strong>em</strong>bre. 1996. p. 735. “A d<strong>em</strong>onstração de como a<br />

identidade e o gênero sexual são ‘efeitos de significação’ do discurso cultural que o determinismo patriarcal<br />

v<strong>em</strong> naturalizando através de sua metafísica da substância, é útil para romper com o determinismo da relação<br />

sexo (‘mulher’) – gênero (‘f<strong>em</strong>inino’) vivida como relação plena, unívoca e transparente”. (Tradução de minha<br />

autoria). Como o campo da teoria f<strong>em</strong>inista é essencialmente político, o mesmo deveria oferecer alguma<br />

solução às questões, com o objetivo de dissolver qualquer tipo de opressão apresentada nelas.<br />

180 WOOLF, Virginia. <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, op. cit., p. 31. “E, como se realmente estivesse sentado ali no terraço,<br />

virou-se a meio para Clarissa; estendeu a mão; ergueu-a; deixou-a cair. Sobre ambos estava suspensa essa lua.<br />

Ela também parecia sentada com ele, no terraço, ao luar. [...] Para que voltar assim ao passado? Por que pensar<br />

nisso de novo? Por que fazê-lo sofrer, ela que o havia torturado tão infernalmente? Por quê?” p. 44.<br />

181 É possível pensar que Peter vive o típico romântico do século XIX. De acordo com Simmel, exist<strong>em</strong> dois<br />

tipos de individualismos na modernidade: o quantitativo e o qualitativo. O primeiro é fruto da condição<br />

objetiva e econômica do meio social da metrópole; e o segundo, o qualitativo, representa a busca por caminhos<br />

e escolhas que o torn<strong>em</strong> singular. Para Simmel, “Ao lado dêsse ideal de liberalismo do século XVIII, no<br />

84

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!