As tensões temporais em Mrs Dalloway
As tensões temporais em Mrs Dalloway
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futuro. O relógio começa a bater seu sino, assegurando o futuro envelhecimento de <strong>Mrs</strong><br />
<strong>Dalloway</strong>. Agora que Clarissa t<strong>em</strong> consciência – através deste fluxo, qu<strong>em</strong> sabe? - da<br />
insistência da batida do relógio, carregada de deveres, prescrições e imposições, não t<strong>em</strong> pena<br />
do hom<strong>em</strong> que havia se matado. Aliás, somadas algumas outras batidas da t<strong>em</strong>poralidade<br />
cronológica, sente-se orgulhosa pela atitude do suicídio. Sente-se muito parecida com aquele<br />
jov<strong>em</strong>, e fica feliz por ele ter abandonado uma vida que n<strong>em</strong> era mais sua. Para Ricoeur, o<br />
objetivo do narrador, <strong>em</strong> <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, é d<strong>em</strong>arcar um grau de parentesco entre Clarissa e<br />
Septimus, mostrando que ambos faz<strong>em</strong> parte de uma mesma “teia de aranha”, mas também<br />
pontuar uma diferença radical entre eles.<br />
113<br />
[...] o narrador quer comunicar ao leitor o sentido do<br />
parentesco profundo entre ela e Septimus, que ela jamais viu, do qual<br />
ignora até o nome. O mesmo horror a habita; mas, diferent<strong>em</strong>ente de<br />
Septimus, ela irá enfrentá-lo, levada por um indestrutível amor pela<br />
vida. 243<br />
A idéia de duplicidade entre estes dois personagens pode ser lida como outro tipo de tensão<br />
t<strong>em</strong>poral. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ambos se ass<strong>em</strong>elham, <strong>em</strong> termos afetivos, pois é neste<br />
campo que ocorre uma identificação entre eles, ambos reag<strong>em</strong> diferent<strong>em</strong>ente às conjunções<br />
externas. É o que afirma Ricoeur, ao d<strong>em</strong>onstrar que o amor que Clarissa t<strong>em</strong> pela vida - que,<br />
com a morte de Septimus, intensifica-se -, é indestrutível. Além desta diferença, o<br />
personag<strong>em</strong> de Septimus está <strong>em</strong> conflito direto com a t<strong>em</strong>poralidade histórica, enquanto os<br />
afetos de Clarissa agonizam com cronos. Enquanto o relógio bate, a t<strong>em</strong>poralidade<br />
cronológica reclama a realização de deveres. Septimus abandona a vida e oferece a Clarissa a<br />
possibilidade de viver sua vida com maior intensidade. O dever a chama, a t<strong>em</strong>poralidade<br />
cronológica instaura-se e Clarissa continua a realizar o que lhe é devido, no entanto,<br />
direciona-se <strong>em</strong> busca de Sally e Peter, fortalecendo as vias da t<strong>em</strong>poralidade do afeto.<br />
A nova parte da narrativa inicia com a busca de Peter por Clarissa. Onde estaria ela,<br />
durante todo este t<strong>em</strong>po? É o que Peter pergunta a Sally, enquanto espera pela chegada de<br />
Clarissa. Ambos supuseram que Clarissa deveria estar conversando com pessoas importantes,<br />
com os políticos que estavam na festa. Sally vivia outra vida, mais solitária, achava ela, mas<br />
na qual as pessoas faziam coisas; ela mesma havia feito coisas. No decorrer da conversa,<br />
l<strong>em</strong>bravam de como haviam mudado, mas de como ainda eram os mesmos. Eles eram muito<br />
243 RICOEUR, Paul. T<strong>em</strong>po e narrativa, op. cit., p. 197.