As tensões temporais em Mrs Dalloway
As tensões temporais em Mrs Dalloway
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m<strong>em</strong>ória atualiza a voz de Shakespeare – “fear no more, says the heart in the body, fear no<br />
more” – e uma t<strong>em</strong>poralidade passada, anterior à guerra, retorna, perfurando o presente <strong>em</strong><br />
sua duração e produzindo uma abertura t<strong>em</strong>poral. <strong>As</strong> t<strong>em</strong>poralidades e o ser-t<strong>em</strong>po são<br />
conectados, tecendo sentidos para a experiência singular. Ao sentir-se parte da fusão entre as<br />
t<strong>em</strong>poralidades, Septimus não t<strong>em</strong> mais medo; seu lugar na eternidade do ser-t<strong>em</strong>po existe e<br />
faz sentido.<br />
He was not afraid. At every moment Nature signified by some<br />
laughing hint like that gold spot which went round the wall – there,<br />
there, there – her determination to show, by brandishing her plumes,<br />
shaking her tresses, flinging her mantle this way and that, beautifully,<br />
always beautifully, and standing close up to breath through her<br />
hollowed hands Shakespeare’s words, her meaning. 140<br />
Talvez estes foss<strong>em</strong> seus últimos e raros momentos repletos de sentido <strong>em</strong> que não era<br />
preciso comunicar nada, apenas existir. Para além destes, Septimus continuava <strong>em</strong> contato<br />
com a morte, representada por Evans, e tentava efetuar uma comunicação, através da escrita,<br />
feita por Rezia. “She wrote it down just as he spoke it. Some things were very beautiful;<br />
others sheer nonsense” 141 . Eram pensamentos sobre a guerra, sobre Shakespeare e sobre a<br />
imortalidade. Estes eram seus momentos felizes, animados e, no entanto, percebidos e<br />
recebidos s<strong>em</strong> sentido. Buscava uma forma de comunicar-se com “a natureza humana”, mas<br />
nesta busca, Septimus parecia querer resgatar um t<strong>em</strong>po perdido, uma condição narrativa<br />
perdida, a Erfahrung benjaminiana.<br />
Why seek truths and deliver messages when Rezia sat sticking<br />
pins into the front of her dress, and Mr Peter was in Hull? Miracles,<br />
revelations, agonies, loneliness, falling through the sea, down, down<br />
into the flames, all were burnt out, for he had a sense, as he watched<br />
Rezia trimming the straw hat for <strong>Mrs</strong> Peters, of a corvelet of<br />
flowers. 142<br />
140 Id<strong>em</strong>, p. 102. “Não tinha medo. A cada momento a Natureza lhe dava a entender, com algum risonho aviso,<br />
como aquela mancha de ouro que percorria a parede – ali, ali, ali -, a sua intenção de revelar-lhe, agitando as<br />
plumas, sacudindo as tranças, lançando o manto de um modo ou outro, mas com beleza, s<strong>em</strong>pre com beleza,<br />
ou ficando a seu lado para sussurrar entre as mãos <strong>em</strong> concha as palavras de Shakespeare... a intenção de<br />
revelar-lhe o seu oculto sentido”. p. 135.<br />
141 Id<strong>em</strong>. “Ela escrevia o que ele falava. Algumas coisas eram muito bonitas; outras, verdadeiras tolices”. Id<strong>em</strong>.<br />
142 Id<strong>em</strong>, p. 104. “Por que descobrir verdades e enviar mensagens, quando Rezia estava sentada a prender<br />
alfinetes no peito do vestido e Mr. Peter se achava <strong>em</strong> Hull? Milagres, revelações, agonias, quedas no mar, no<br />
mar ou nas chamas, tudo se desvanecia agora, pois, enquanto via Rezia guarnecer o chapéu de palha de <strong>Mrs</strong>.<br />
Peter, sentia-se <strong>em</strong> uma colcha de flores”. p. 138.<br />
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