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As tensões temporais em Mrs Dalloway

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Erfahrung proposta por Benjamin. A idéia da morte funciona como uma abertura, através da<br />

qual Clarissa encontra lugar para si, negado pela sociedade e, neste sentido, sua experiência<br />

de vida ass<strong>em</strong>elha-se a de Septimus. Para ambos, a concepção da morte representa uma<br />

liberação das amarras impostas pela vida. No entanto, há uma diferença radical entre a vida<br />

desses dois personagens, pois Septimus não só participou da guerra, como teve uma<br />

experiência traumática que resultou no seu mutismo: impossibilidade de narrar ou dar sentido<br />

ao que viveu. Para ele, então, não existe uma rede de contatos. Sua vivência fica cada vez<br />

mais solitária e fragmentada e a morte funcionaria como ato de fazer cessar sua existência,<br />

dando possibilidade a ele escolher nada ser ou fazer parte de outra coisa, mas não deste<br />

mundo cruel infestado de mortos-vivos, no qual está inserido. Ao jogar-se pela janela e<br />

efetuar realmente o ato da morte, Septimus mergulha para dentro da moldura do espaço<br />

aberto, infinitamente possível. Para Clarissa, o sentido desta rede já está presente, através da<br />

idéia da morte como contraponto, o que torna o ato de matar-se não mais necessário.<br />

Após essas reflexões, Clarissa passa por uma livraria, observa os livros e não encontra<br />

nada que possa levar à Evelyn, na “nursing home” 162 . Continua caminhando e pensando nas<br />

suas atitudes, nos modos de agir com os outros e, muitas vezes, <strong>em</strong> função dos outros. Não<br />

age para si mesma.<br />

Oh if she could have had her life over again! She thought, stepping<br />

on to the pav<strong>em</strong>ent, could have even looked differently! [...] But<br />

often now this body she wore [...], this body, with all its capacities,<br />

se<strong>em</strong>ed nothing – nothing at all. 163<br />

Nesta parte da narrativa, várias questões de gênero tornam-se presentes. Evelyn, outra mulher,<br />

está numa casa de repouso - ver<strong>em</strong>os que Clarissa também t<strong>em</strong> uma saúde “fragilizada” -,<br />

162 Esta casa de repouso representa o lugar de tratamento então oferecido pela medicina. Além de Evelyn,<br />

Septimus é direcionado para lá e Clarissa deve estar <strong>em</strong> constante cautela com o estado de sua saúde, para não<br />

ser também enviada para lá. Em algumas ocasiões, a própria Virginia Woolf teve que participar deste tipo de<br />

tratamento médico. Talvez por isso, o reaparecimento deste locus assombrando a vida de seus personagens e a<br />

devida crítica a esta medida ‘desumana’ de tratamento. De acordo com Showalter, este tipo de enfermidade<br />

produzida pelas escritoras do século XIX representa a dificuldade que a mulher t<strong>em</strong> de lidar com sua<br />

identidade f<strong>em</strong>inina, <strong>em</strong> um espaço público essencialmente masculino. “A escritora do século XIX inscreve<br />

sua própria enfermidade, sua loucura, sua aneroxia, sua agorafobia e sua paralisia nos seus textos; [...]”.<br />

SHOWALTER, Elaine. A crítica f<strong>em</strong>inista no território selvag<strong>em</strong>. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de<br />

(Org.). Tendências e impasses. O f<strong>em</strong>inismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 41. É<br />

possível pensar que esta é uma das heranças que Virginia Woolf incorporou de suas antecessoras; com a<br />

diferença, talvez, de poder representar esta “via de resistência” como crítica ao saber dominante. Mário<br />

Quintana traduz “nursing home” por “hospital”. p. 13.<br />

163 WOOLF, Virginia. <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, op. cit., p. 8. “Oh! Se pudesse viver de novo! Pensou, ao pisar a rua,<br />

como não havia de ser diferente! [...] Mas muitas vezes aquele corpo que habitava [...], aquele corpo, como<br />

toda a sua consistência, não parecia nada – absolutamente nada”. p. 13-14.<br />

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