As tensões temporais em Mrs Dalloway
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analisá-los extrinsecamente. O autor divide o século XX <strong>em</strong> três fases: era da catástrofe, era<br />
de ouro e na era do desmoronamento. A primeira, de maior importância para esta pesquisa, é<br />
percebida como a mais cruel de todas, a era do massacre, na qual mais homens foram mortos<br />
por decisão humana do que <strong>em</strong> qualquer outra t<strong>em</strong>poralidade. Segundo ele, o breve século<br />
XX<br />
foi marcado pela guerra. Viveu e pensou <strong>em</strong> termos de guerra<br />
mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não<br />
explodiam. Sua história, e mais especificamente, a história de sua era<br />
inicial de colapso e catástrofe dev<strong>em</strong> começar com a da guerra<br />
mundial de 31 anos. 29<br />
Hobsbawm considera as duas guerras mundiais como sendo uma única guerra que<br />
levou 31 anos e muitas vidas, tal fora sua continuidade destrutiva. Para ele, um dos aspectos<br />
mais aterrorizantes e inovador da Primeira Guerra foi o uso de trincheiras como nova<br />
estratégia de poder.<br />
Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos<br />
parapeitos de trincheiras barricadas com sacos de areia, sob as quais<br />
viviam como – e com – ratos e piolhos. De vez <strong>em</strong> quando seus<br />
generais procuravam romper o impasse. Dias e mesmo s<strong>em</strong>anas de<br />
incessante bombardeio de artilharia (...) “amaciavam” o inimigo e o<br />
mandavam para baixo da terra, até que no momento certo levas de<br />
homens saíam por cima do parapeito, geralmente protegido por rolos<br />
e teias de arame farpado, para a “terra de ninguém”, um caos de<br />
crateras de granadas inundadas de água, tocos de árvores calcinadas,<br />
lama e cadáveres abandonados, e avançavam sobre as metralhadoras,<br />
que os ceifavam, como eles sabiam que aconteceria. 30<br />
A morte nunca esteve tão perto dos combatentes de guerra, o que causou indescritível trauma<br />
na maioria dos “sobreviventes” desta barbárie contínua. Aos poucos soldados que<br />
concordaram com tal destruição, “[...]às vezes extraíam da experiência partilhada de viver<br />
com a morte e a corag<strong>em</strong> um sentimento de incomunicável e bárbara superioridade [...] que<br />
viria a formar as primeiras fileiras da ultradireita do pós-Guerra”. 31 Hobsbawm cita Adolf<br />
Hitler como um desses sobreviventes; um entre aqueles que acreditavam na guerra como<br />
experiência formativa da vida. De qualquer forma, tal experiência se tornou inenarrável.<br />
29 HOBSBAWN, op. cit., p.30.<br />
30 Id<strong>em</strong>, p.33<br />
31 Id<strong>em</strong>, p. 34.<br />
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