As tensões temporais em Mrs Dalloway
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1 NO TEMPO<br />
1.1 Ser-T<strong>em</strong>po<br />
Para tratar da questão do conceito de t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, serão utilizadas como<br />
referência algumas reflexões do filósofo André Comte-Sponville 11 . Apesar de sua<br />
complexidade, o autor faz uma leitura clara e abrangente sobre a probl<strong>em</strong>ática da<br />
conceitualização do t<strong>em</strong>po entre os filósofos, desde Santo Agostinho. <strong>As</strong>sim, seu estudo<br />
realiza-se <strong>em</strong> uma travessia histórica, ao recuperar as construções teóricas singulares<br />
efetivadas pelos filósofos que marcaram o pensamento da humanidade como um todo. Em<br />
primeiro lugar, e no que se refere especificamente à noção t<strong>em</strong>poral trabalhada no romance, a<br />
diferenciação entre as noções de t<strong>em</strong>po e t<strong>em</strong>poralidade inseridas no texto de Comte-<br />
Sponville mostra-se de suma importância. Para o autor, o conceito de t<strong>em</strong>poralidade r<strong>em</strong>ete à<br />
subjetividade, ou melhor, à relação que o indivíduo estabelece entre si e o t<strong>em</strong>po: t<strong>em</strong>po da<br />
consciência, do coração, da relatividade ou da alma. T<strong>em</strong>po caracterizado pelo múltiplo e<br />
heterogêneo, que pode ser sentido como uma eternidade ou como ef<strong>em</strong>eridade. Este t<strong>em</strong>po<br />
r<strong>em</strong>ete à idéia da linearidade, ou do direcionamento de sua flecha do passado rumo ao futuro,<br />
passando pelo presente.<br />
O que chamamos de t<strong>em</strong>po (o fato de haver presente, passado<br />
e futuro) parece, pois, existir somente na alma, a única capaz de fazer<br />
existir juntos, numa mesma presença a si, um antes e um depois, a<br />
única que pode proporcionar o ser, ou pelo menos uma aparência de<br />
existência, ao que já não existe (o passado) ou ao que ainda não existe<br />
(futuro). A alma – por se l<strong>em</strong>brar, por prever, por esperar ou t<strong>em</strong>er... –<br />
é o que faz que uma coisa distinta do presente exista. 12<br />
De acordo com Comte-Sponville, a subjetividade distende o t<strong>em</strong>po para além do<br />
presente de sua existência, tanto <strong>em</strong> direção ao passado, que já não existe mais, mas é<br />
atualizado pela m<strong>em</strong>ória, quanto <strong>em</strong> direção ao futuro, que ainda não existe, mas é s<strong>em</strong>pre<br />
projetado. Para o indivíduo, estes t<strong>em</strong>pos exist<strong>em</strong>, mas s<strong>em</strong>pre no presente que é distendido.<br />
Se não houvesse indivíduos habitando o mundo, esta noção do t<strong>em</strong>po também não existiria. O<br />
autor denomina esta consciência do t<strong>em</strong>po de t<strong>em</strong>poralidade.<br />
11<br />
COMTE-SPONVILLE, André. O Ser-T<strong>em</strong>po. Algumas reflexões sobre o t<strong>em</strong>po da consciência. São Paulo:<br />
Martins Fontes, 2000.<br />
12<br />
Id<strong>em</strong>, p. 29.<br />
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