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As tensões temporais em Mrs Dalloway

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corte nesta narrativa coletiva, mas o acontecimento mais radical fora o da Primeira Guerra<br />

Mundial. A novidade do uso de trincheiras como estratégia de guerra impôs ao indivíduo,<br />

devido a sua inédita brutalidade, uma ruptura na comunicabilidade de sua experiência. Fora<br />

falando e voltara <strong>em</strong>udecido. Como resultado desta nova estratégia, o indivíduo retornou ao<br />

lar “s<strong>em</strong> palavras” que pudess<strong>em</strong> transmitir algo da realidade de tal experiência, pois esta o<br />

havia <strong>em</strong>pobrecido. Não havia nenhuma sabedoria a ser transmitida; muito menos algum<br />

valor a ser conservado. De acordo com Benjamin 34 , os que ainda tentaram narrar a<br />

experiência da guerra, acabaram narrando outra coisa, saindo da esfera da Erfahrung<br />

enquanto realidade. A t<strong>em</strong>poralidade moderna efetuou uma inversão: da existência da<br />

experiência coletiva à falta de sentido individual. Como fragmentos do anjo de Klee, os<br />

indivíduos modernos acumulam-se <strong>em</strong> um espaço catastrófico do não-sentido existencial,<br />

onde valores antes tidos como seguros, evaporaram-se.<br />

Com o rompimento desta narratividade e com a constante transformação na<br />

Modernidade, diversas formas de narração foram ocupando e desocupando lugares. Em “O<br />

flâneur”, fragmento de “Paris do Segundo Império” 35 , Benjamin caminha por algumas das<br />

formulações literárias da época e associa seu surgimento às condições sociais existentes. Cita<br />

as fisiologias como descrições dos diversos tipos de indivíduos que circulavam no meio da<br />

multidão, quando esta ainda era vivida no fascínio de sua diversidade. Depois, os fisiologistas<br />

começaram a descrever o funcionamento das metrópoles, especificamente Paris, pois o gênero<br />

da fisiologia tinha como função adequar os indivíduos ao aglomerado do qual faziam parte.<br />

No entanto, com o constante crescimento da multidão, foram implantados processos<br />

administrativos de controle e, com eles, surgiram os primeiros relatos policiais –<br />

transformados depois <strong>em</strong> romances policiais – d<strong>em</strong>onstrando um lado mais sombrio da vida<br />

na multidão, enquanto constituída de indivíduos desconhecidos, estranhos e freqüent<strong>em</strong>ente<br />

mal-intencionados. Com a instituição do romance policial, a descrição psicológica dos<br />

personagens, ou supostos habitantes da metrópole, instalara-se como característica dos<br />

romances modernos. Através de sua difusão pela imprensa 36 , o romance tornara-se o retrato<br />

da Erlebnis moderna.<br />

34<br />

BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre a literatura e<br />

história da cultura, op. cit..<br />

35<br />

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo, op. cit..<br />

36<br />

A imprensa era constituída basicamente por folhetins e jornais, que difundiam informações cada vez mais<br />

referenciadas ao presente e ao local dos acontecimentos, ajudando a condicionar o indivíduo a uma falta de<br />

vínculo com os acontecimentos conectados do mundo – para além de seu t<strong>em</strong>po presente e local específico - e<br />

efetuando novamente rompimento com a Erfahrung.<br />

22

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