As tensões temporais em Mrs Dalloway
As tensões temporais em Mrs Dalloway
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tensão t<strong>em</strong>poral marca-se <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po presente que está suspendendo o passado, ou as<br />
escolhas passadas de Clarissa; desta forma, é possível pensar que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a<br />
t<strong>em</strong>poralidade afetiva de Clarissa – marcada pela força da m<strong>em</strong>ória e pela atualização do<br />
passado - sobrepõe-se à realidade de um t<strong>em</strong>po presente. Quando Peter a chama,<br />
ironicamente, de anfitriã perfeita, está criticando a posição “fútil” imposta à mulher de acordo<br />
com os valores da sociedade patriarcal. É possível observar que, através das ironias de Peter,<br />
Clarissa entra <strong>em</strong> crise, ou melhor, se percebe como impossibilitada de efetuar suas próprias<br />
escolhas, basicamente por não ter um lugar singular de onde se perceber. Talvez sua negação<br />
<strong>em</strong> amar Peter fosse seu caminho já trilhado.<br />
Clarissa chega aos portões do parque e observa a Picadilly. Como era “absolutely<br />
absorving” 160 tudo isso, a vida, sentia Clarissa. Continua a caminhar, paralelamente à sua<br />
trajetória no t<strong>em</strong>po, carregada de l<strong>em</strong>branças e de uma adoração aos momentos presentes<br />
plenos de vida. Então, pensa no fim de sua existência e abre espaço para a entrada da morte.<br />
[...] did it matter that she must inevitably cease completely; all<br />
this must go on without her; did she resent it; or did it not become<br />
consoling to believe that death ended absolutely? But that somehow<br />
in the streets of London, on the ebb and flow of things, here, there,<br />
she survived, Peter survived, lived in each other, she being part, she<br />
was positive, of the trees at home; of the house there, ugly, rambling<br />
all to bits and pieces as it was; part of people she had never met;<br />
being laid out like a mist between the people she knew best, who<br />
lifted her on their branches as she had seen the trees lift the mist, but<br />
it spread ever so far, her life, herself. 161<br />
Clarissa afirma a vida como rede de contato entre todas as forma de existência. Sua morte<br />
física não cessará sua existência como parte desta rede, de seus movimentos, do contato com<br />
outras pessoas. Sua experiência como sendo um dos pontos desta rede a coloca <strong>em</strong> uma<br />
dimensão de eternidade, novamente para além de um t<strong>em</strong>po de vida d<strong>em</strong>arcado<br />
cronologicamente. Ao sentir-se como parte de uma rede, Clarissa oferece sentido para si, para<br />
além de sua falta de sentido enquanto mulher, e visualiza uma experiência parecida com a<br />
160 Id<strong>em</strong>, p. 7. “[...] como a absorvia tudo aquilo [...]”. p. 12.<br />
161 Id<strong>em</strong>. “Importava então, indagava consigo, encaminhando-se para Bond Street, importava mesmo que tivesse<br />
que desaparecer um dia, inevitavelmente? Tudo aquilo continuava s<strong>em</strong> ela. Sentia-o? Ou seria um consolo<br />
pensar que a morte acabava com tudo, absolutamente? Ou, de qualquer maneira, pelas ruas de Londres, no<br />
fluxo e refluxo das coisas, talvez sobrevivesse, Peter sobrevivesse, vivess<strong>em</strong> um no outro, ela fazendo parte,<br />
estava certa, das árvores da casa; daquela casa ali, tão feia, toda caindo <strong>em</strong> pedaços como estava; parte da<br />
gente que nunca havia encontrado; espalhando-se como uma névoa, entre as criaturas que melhor conhecia e<br />
que a sustentariam nos seus ramos, como vira as árvores sustentar a névoa, <strong>em</strong>bora isso esparzisse, tanto a sua<br />
vida, e a si própria ... [...]”. p. 12-13.<br />
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