As tensões temporais em Mrs Dalloway
As tensões temporais em Mrs Dalloway
As tensões temporais em Mrs Dalloway
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
[...] and she felt if only they could be brought together; so she did it.<br />
And it was an offering; to combine, to create; 198<br />
Clarissa sente a vida como uma rede existencial. Suas festas, então, serviriam para conectar os<br />
indivíduos – criar elos – com o intuito de combinar e, talvez até mesmo, criar uma nova forma<br />
de comunicação. De acordo com a teoria de Benjamin, a narrativa coletiva que possibilitava<br />
uma comunica-ação 199 , perdeu-se. É possível pensar que o projeto da Clarissa também 200 seja<br />
o de juntar, <strong>em</strong> um mesmo local – sua festa -, uma amostra de indivíduos 201 solitários<br />
produzidos na Modernidade, para assim revelar a vida enquanto existência coletiva. Percebese<br />
que há dificuldade de comunicação, especialmente de Richard. A impossibilidade de dizer<br />
“eu te amo” d<strong>em</strong>arca a dificuldade <strong>em</strong> efetuar laços através do discurso. Este, então,<br />
d<strong>em</strong>onstra-se através da materialidade das flores. <strong>As</strong> festas propostas por Clarissa pod<strong>em</strong><br />
advir de uma tentativa de recuperar um tipo de Erfahrung que deixou de existir.<br />
All the same, that one day should follow another; Wednesday,<br />
Thursday, Friday, Saturday; that one should wake up in the morning;<br />
see the sky; walk in the park; meet Hugh Whitbread; then suddenly in<br />
came Peter; then these roses; it was enough. After that, how<br />
unbelievable death was! – that it must end; and no one in the whole<br />
world would know how she had loved it all; how, every instant... 202<br />
Enquanto Clarissa pensa na imensidão da existência comum, a idéia da morte lhe soa<br />
inacreditável. Na repetição dos dias e das ações cotidianas, as surpresas. Nas determinações<br />
da t<strong>em</strong>poralidade cronológica, as irrupções da t<strong>em</strong>poralidade do afeto. A vida era isso.<br />
Acontecia, a cada instante. <strong>As</strong> novidades, as atualizações, o contato com o céu, com sua<br />
imensidão, os detalhes e os momentos, configuram a vida no que ela é. Para Clarissa, isto era<br />
198<br />
Id<strong>em</strong>. “Oh! era muito estranho. Era fulano, de South Kensington; algum outro, de Bayswater; e mais alguém,<br />
digamos, de Mayfair. E ela experimentava continuamente a sensação das suas existências; [...] se ao menos se<br />
pudess<strong>em</strong> juntar... era o que tentava. E isso era uma oferenda; combinar, criar; [...]” Id<strong>em</strong>.<br />
199<br />
A divisão da palavra ‘comunicação’ foi-me presenteada pelo Prof. Dr. Cláudio Cruz, no momento da<br />
qualificação desta dissertação.<br />
200<br />
A tensão t<strong>em</strong>poral vivida por Clarissa não r<strong>em</strong>ete diretamente aos efeitos da Primeira Guerra Mundial, como<br />
é o caso de Septimus. O espaço no qual Clarissa permeia é tensionado principalmente nos campos da<br />
afetividade e da vida cotidiana enquanto resultante da força do hábito. Tensão entre a t<strong>em</strong>poralidade do afeto e<br />
a t<strong>em</strong>poralidade cronológica.<br />
201<br />
Não pod<strong>em</strong>os esquecer que as festas dadas por Clarissa só abrang<strong>em</strong> determinados indivíduos que estejam<br />
b<strong>em</strong> “situados”, hierarquicamente, na sociedade. Por isso, o uso da palavra “amostra”.<br />
202<br />
WOOLF, Virginia. <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, op. cit., p. 89. “De qualquer modo, que um dia se siga ao outro; quarta,<br />
quinta, sexta, sábado; que a gente desperte de manhã; olhe para o céu; passeie pelo parque, encontre Hugh<br />
Whitbread; depois, subitamente, Peter; depois aquelas rosas, era o suficiente. Afinal de contas, que<br />
inacreditável era a morte! – que aquilo devesse terminar; e ninguém no mundo saberia o quanto ela havia<br />
amado aquilo tudo; quanto, a cada instante...” p. 119.<br />
93