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As tensões temporais em Mrs Dalloway

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uma subjetividade quando <strong>em</strong> relação ao hom<strong>em</strong>. Fica pontuada, desde o início da trajetória<br />

de Clarissa, a tensão existente no seu locus social, também decorrente do <strong>em</strong>bate t<strong>em</strong>poral<br />

entre as determinações históricas/cronológicas e as afetivas.<br />

Ao passar pelo parque, Clarissa sente um estranhamento, um silêncio – algo de uma<br />

natureza que talvez não caiba mais na grande cidade. Encontra seu amigo Hugh Whitbread e,<br />

após cumprimentos, pensa na vida dele e de sua esposa, Evelyn Whitbread, que estavam pela<br />

cidade <strong>em</strong> função de médicos. Evelyn costumava estar s<strong>em</strong>pre doente. Sim, ele iria à sua<br />

festa, pois Evelyn fazia questão, dizia Hugh. Então, Clarissa l<strong>em</strong>brou de Richard, seu marido<br />

– esta é a primeira vez que ele aparece na narrativa, mas s<strong>em</strong> nenhuma especificidade - e de<br />

Peter. Em meio às l<strong>em</strong>branças de Clarissa, a narrativa retorna ao presente, nomeando as ruas<br />

da metrópole e dando um tom de “realidade” à t<strong>em</strong>poralidade histórica. No entanto, as<br />

r<strong>em</strong><strong>em</strong>orações de Clarissa, no decorrer de seu dia, são constantes e ampliam a noção de t<strong>em</strong>po<br />

para além das horas que o delimitam. É possível pensar que o recurso à força da m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong><br />

sua atualização, seja uma estratégia de Clarissa para “escapar” ao seu lugar social<br />

predeterminado enquanto mulher.<br />

Clarissa pensa <strong>em</strong> Peter, <strong>em</strong> como era bom caminhar com ele e <strong>em</strong> como seria bom<br />

caminhar com ele numa manhã como esta. Pensa <strong>em</strong> como seria estar com ele neste momento.<br />

Pensa <strong>em</strong> como eles discutiam e <strong>em</strong> como ele a chamava de “perfect hostess” 158 . Peter, no<br />

entanto, estava preocupado com os acontecimentos do mundo e não com a beleza do dia,<br />

Clarissa pensa. “So she would still find herself arguing in St Jame’s Park, still making out that<br />

she had been right – and she had too – not to marry him” 159 . Clarissa pensa na intolerância<br />

entre os dois, no momento <strong>em</strong> que teve que romper com ele; na angústia que sentiu por anos,<br />

como se tivesse fincado uma flecha no próprio coração. L<strong>em</strong>brou do momento <strong>em</strong> que soube<br />

(assim, haviam lhe dito) que Peter havia se casado com uma mulher na Índia. L<strong>em</strong>brava do<br />

pavor do seu sentimento. Resolvera casar com Richard, pois com ele era possível uma<br />

independência, um espaço necessário ao casal. Nesta parte da narrativa, percebe-se que<br />

Clarissa abandonou o amor por Peter para casar-se com Richard, basicamente <strong>em</strong> função da<br />

futura estabilidade do casal. Clarissa abandona seu amor <strong>em</strong> prol de uma estabilidade <strong>em</strong> um<br />

t<strong>em</strong>po que ainda está por vir, <strong>em</strong> um futuro que ainda não existe. Até hoje, neste dia, Clarissa<br />

dialoga consigo mesma sobre o fato de não ter se casado com Peter e até hoje precisa<br />

reafirmar para si mesma que estava certa <strong>em</strong> sua decisão, apesar da flecha no coração. A<br />

158 Anfitriã perfeita. Mário Quintana utiliza a expressão “perfeita dona-de-casa”. p. 11.<br />

159 WOOLF, Virginia. <strong>Mrs</strong> <strong>Dalloway</strong>, op. cit., p.6. “E ei-la que ainda se achava argumentando no St. Jaime’s<br />

Park, ainda provando que faria b<strong>em</strong> – como o fizera – <strong>em</strong> não se casar com ele”. Id<strong>em</strong>.<br />

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