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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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tar<strong>de</strong> amuado sobre um tronco <strong>de</strong> macaibeira que jazia estendido ao pé da casa, largou-se pela estrada afora.<br />

Pouco adiante, no ponto mesmo em que na estrada se encontrava a vereda, lobrigou ele ao longe Francisco,<br />

que tomava a casa. Deliberado a fugir da companhia dos seus benfeitores, única intenção que o fizera apartarse<br />

<strong>de</strong> casa, o menino, para evitar o encontro com o matuto, enfiou pela vereda. Não sabia ele em que ponto ia<br />

ela morrer; mas parecendo-lhe que levava á lagoa, don<strong>de</strong> tinha visto <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> chegar Marcelina com um<br />

braçado <strong>de</strong> juncos, e don<strong>de</strong> se podia ir ao caminho geral por um caminho particular que ela sabia, apressou os<br />

passos, e só parou quando, pressentindo gente perto da palhoça, três formidáveis cães, açulados por<br />

Benedicto, molecote filho do casal <strong>de</strong> negros, lhe saíram ao encontro, não para o receberem atenciosamente,<br />

como fazem com os <strong>de</strong> fora os moradores hospitaleiros, mas para o <strong>de</strong>spedaçarem com <strong>de</strong>sabrido furor.<br />

Cercado <strong>de</strong> todos os lados, Lourenço mal se podia livrar dos temíveis <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> escuso lar, quando <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro da palhoça correu ao lugar do conflito uma negra apercebida com um jagunço, em atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem o<br />

queria <strong>de</strong>sancar.<br />

- Quem é você? quem é você? - perguntou ela, sem fazer o menor gesto aos cães para que se acomodassem.<br />

- Sei lá quem eu sou?! Respon<strong>de</strong>u com maus modos, Lourenço agitado e colérico da estranha e inesperada<br />

recepção. Vi este caminho na beira da estrada e sem ter o que fazer, enfiei por ele, para saber on<strong>de</strong> vinha dar.<br />

- É mentira sua - retorquiu a negra. Você veio atrás das minhas galinhas, e está agora dizendo estas coisas. E<br />

eu que pensava que era a raposa que me estava dando no poleiro.<br />

- Negra do diabo! Gritou Lourenço, cada vez mais zangado e irritado. Eu algum dia trepei no teu poleiro? O<br />

que eu sinto é não trazer na mão uma vara para te enfiar pela boca a <strong>de</strong>ntro.<br />

- Acuda cá, Moçambique, acuda cá. Estou ás voltas com o ladrão das minhas galinhas - gritou a preta como<br />

possessa, e movendo o jagunço contra Lourenço.<br />

Os cães, entretanto, açulados por ela, e autorizados por este novo gesto hostil e agressivo, já mordiam o rapaz<br />

pelas pernas como implacáveis inimigos, que <strong>de</strong> propósito se criam sem cortesia nem benevolência para<br />

maior segurança dos lares confiados á sua guarda.<br />

Quando Lourenço sentiu as primeiras <strong>de</strong>ntadas dos terríveis animais, atirou-se <strong>de</strong>sesperado á preta, na<br />

intenção <strong>de</strong> lhe arrancar a arma, <strong>de</strong> que ele precisava, assim para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, como para castigar as ofensas<br />

que tanto <strong>de</strong>la como dos seus companheiros tinha recebido; e teria realizado o seu pensamento, se a esse<br />

tempo não se achasse junto com eles, trazendo um longo quiri, <strong>de</strong>scascado ao fogo, o preto por quem a negra<br />

chamara em seu socorro.<br />

O conflito tornou-se então sério. O menino, o molecote, a negra, o negro e os cães, tomando parte nele com o<br />

empenho <strong>de</strong> ter cada um por se a vitoria, formaram pelo bracejar e revolver vertiginoso um novelo, uma onda<br />

rotatória, um medonho re<strong>de</strong>moinho, do qual se levantava surdo rumor, produzido pelo respirar confuso, e<br />

abafado dos lutadores, e pelo rosnar da rábida matilha.<br />

Lourenço era forte, segundo sabemos. Mais <strong>de</strong> uma vez atirou para longe um cão, para uma banda o moleque,<br />

para outra a negra. Mas os que ele assim afastava <strong>de</strong> ao pé <strong>de</strong> si, tornavam logo mais exacerbados ao ponto<br />

don<strong>de</strong> tinham sido atirados, e prolongavam o conflito com fúria e esforço novos. Além disso, Lourenço<br />

achava-se <strong>de</strong>sarmado, o que diminuía consi<strong>de</strong>ravelmente a sua gran<strong>de</strong> força física, incapaz para resistir ás dos<br />

inimigos, que eram gigantes em comparação da sua, visto serem eles numerosos e terem, além das forças,<br />

instrumentos que contundiam, feriam e até <strong>de</strong>spedaçavam. Com pouco mais sentiu-se enfraquecer. O sangue<br />

escorria-lhe <strong>de</strong> diferentes pontos das pernas; os cães, ensinados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenos a dilacerar os timbus, as<br />

raposas e os maracajás - hospe<strong>de</strong>s importunos do sitio, tinham-lhe rasgado importantes vasos, e cortado com<br />

seus po<strong>de</strong>rosos colmilho as carnes moídas das cacetadas. Lourenço estava quase <strong>de</strong>sfalecido, e só lhe faltava<br />

cair para ser <strong>de</strong> todo vitima e não se po<strong>de</strong>r levantar mais.<br />

Achava-se neste extremo apuro, e seus pés já iam resvelando na areia poida do terreiro da casa, aon<strong>de</strong> as<br />

evoluções <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas do conflito tinham arrastado os que nele eram parte, quando, repentinamente,<br />

vencendo o burburinho, voz forte e vibrante fez ouvir estas palavras:<br />

- Negro! Negro! Moçambique! Tem mão. Queres matar meu filho?<br />

VI<br />

Os negros sobrestiveram espantados.<br />

- É seu filho, seu Francisco? Perguntou Moçambique ao recém-chegado, que não era outrem que Francisco<br />

mesmo.<br />

- É meu filho, negro do diabo.

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