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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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- Eu não sei disso - retorquiu a menina, entre satisfeita e triste.<br />

- Não sabes? Então quem é que há <strong>de</strong> saber?<br />

A filha <strong>de</strong> Victorino caio novamente na mu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> há pouco.<br />

- Deixa estar, Marianinha, tornou Francisco.<br />

Lourenço há <strong>de</strong> casar contigo. Se não for por gosto, há <strong>de</strong> ser contra a vonta<strong>de</strong>.<br />

- Contra a vonta<strong>de</strong>? Não, assim não - disse ela.<br />

- E porque não há <strong>de</strong> ser por gosto?<br />

- Eu sei... Ele não me quer bem, não. Se ele quisesse, me tratava <strong>de</strong> outra moda. Como é então que ele te<br />

trata?<br />

- Eu não sei dizer como é, não, meu padrinho. Eu só sei que Lourenço é mau e ingrato.<br />

Triste e cabisbaixa, a menina poz-se a chorar. Era muito intensa a dor que feria seu coração. Não chores,<br />

pequena, disse Francisco abalado. Hei <strong>de</strong> fazer que ele venha a casar contigo. Pe<strong>de</strong> bem a Nossa-Senhora-da-<br />

Conceição que eu não morra. Tanto farei que ele mesmo é que me há <strong>de</strong> pedir licença para dar este passo.<br />

Secreto pressentimento, porém, dizia á menina, não obstante este formal compromisso do matuto, que nem o<br />

coração <strong>de</strong> Lourenço nem sua mão lhe pertenceriam jamais.<br />

Entretanto a esperança que tais palavras infundiram em seu espirito, entrou ai como luz serena e divina.<br />

Momentos <strong>de</strong>pois, voltaram todos para casa, conduzindo as mãos-<strong>de</strong>-milho. A uns <strong>de</strong>rramavam-se espigas<br />

pelas costas, a outros caiam os atilhos dos braços, ou das mãos. Marianinha, enquanto os <strong>de</strong>mais tinham a<br />

atenção concentrada na colheita, volvendo em torno <strong>de</strong> se seus belos olhos, há pouco cheios <strong>de</strong> lágrimas,<br />

agora repletos dos fulgores do contentamento intimo, que se revelava, não por palavra mas pela luz do olhar<br />

meigo, pelo rápido sorriso, pela irradiação suavíssima do semblante, tinha bem diversos pensamentos. Nas<br />

sombras crepusculares que começavam a cobrir a solidão ela <strong>de</strong>scobria encantos e primores naturais, que<br />

momentos antes, <strong>de</strong> caminho para o roçado, <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> buscara na verdura da natureza, formosamente iluminada<br />

pelo clarão imenso do sol.<br />

Nem com entrar em seu espirito acompanhada das sombras e dos mistérios do <strong>de</strong>serto tinha para ela menos<br />

brilho e formosura a esperança.<br />

XI<br />

Numeroso foi o concurso <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> alta e distinta jerarquia durante a noite da véspera e o dia <strong>de</strong> S. João<br />

<strong>de</strong> 1711 no engenho do sargento-mór João da Cunha.<br />

Esta respeitável campanha compôs-se dos cavaleiros que diremos: os irmãos André Cavalcanti, Luiz Vidal e<br />

Cosme Bezerra; Filipe Cavalcanti, capitão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nanças; Jorge Cavalcanti, sargento-mór honorário, e filho<br />

natural <strong>de</strong> André Vidal <strong>de</strong> Negreiros, o restaurador da Paraíba; Martinho <strong>de</strong> Bulhões, que veio do engenho<br />

Itambé, on<strong>de</strong> morava com seu sogro Matias Vidal, a quem o dito engenho pertencia, bem como todas as terras<br />

da povoação fundada por aquele restaurador. Além <strong>de</strong>stes apontavam-se outros muitos proprietários e<br />

autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Goiana, mais ou menos ligados, por laços <strong>de</strong> parentesco, amiza<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>pendência particular<br />

com o senhor do engenho.<br />

Foi uma festa que muito <strong>de</strong>u que falar, não tanto pelo brilho, como principalmente pela concorrência. Dos<br />

principais nobres da vila não faltou nenhum. A posição social e política <strong>de</strong> João <strong>de</strong> Cunha; sua procedência<br />

ilustre; seus haveres geralmente tidos por avultados asseguravam-lhe gran<strong>de</strong> respeito da parte dos seus<br />

vizinhos.<br />

Houve quem viu no importante ajuntamento, logo que ele se anunciou pela voz da fama, um pretexto para<br />

tratarem em família e em secreto os nobres <strong>de</strong> Goiana dos seus interesses ameaçados pelos mascates do<br />

Recife. Nem era mister gran<strong>de</strong> penetração para fazer esta conjectura, <strong>de</strong>pois do rompimento <strong>de</strong>stes contra<br />

aqueles, rompimento que se realizou em 18 <strong>de</strong> junho do ano apontado, <strong>de</strong> uma para duas horas da tar<strong>de</strong>.<br />

Para que fique inteirado do necessário o leitor que não for muito versado no conhecimento das lutas políticas<br />

<strong>de</strong> nossa terra nos tempos coloniais, indispensável nos parece examinarmos aqui, posto que <strong>de</strong> relance, a<br />

causa da agitação dos espíritos na época em que se passou esta historia.<br />

De que proce<strong>de</strong>u o sobredito rompimento? De quererem os negociantes do Recife que esta povoação passasse<br />

a vila, e <strong>de</strong> o não quererem os nobres da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Olinda. Qual a razão <strong>de</strong> quererem os negociantes do Recife<br />

e <strong>de</strong> não quererem os nobres <strong>de</strong> Olinda que passasse a vila aquela provação, que aliás já tinha sido cida<strong>de</strong> no<br />

domínio holandês, por suas vantagens naturais, posição física, e principalmente por ser porto <strong>de</strong> mar e<br />

oferecer fácil ancoradouro? A razão era porque, sendo o Recife quase em sua totalida<strong>de</strong> habitado por

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