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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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- Está dito.<br />

‘Sair’ foi o grito que irrompeu <strong>de</strong> todos os peitos.<br />

Ao grito seguiu-se o exemplo.<br />

A força, como o leitor já <strong>de</strong>ve ter compreendido, era a que Gil Ribeiro comandava.<br />

Vendo da estrada abertas as portas e janelas do sobrado, espalhados pelo pátio os moveis, alguns dos quais,<br />

formando pequenos adjuntos, eram nesse momento presa das chamas, não po<strong>de</strong> Francisco acabar consigo que<br />

não fosse <strong>de</strong> perto verificar este lastimoso espetáculo.<br />

Quando esbarrou na frente da casa e reconheceu a terrível verda<strong>de</strong>, uma idéia lhe atravessou o cérebro,<br />

iluminando-o como relâmpago. Esta idéia lhe dizia que a sua casa tinha sido abandonada por Lourenço e<br />

Marcelina, como o engenho lhe pareceu que o fora por João da Cunha.<br />

- Eles não morreram. Estão todos no sobrado. Oh meu Deus! Permiti que assim seja.<br />

Estas palavras consoladoras, que lhe saíram irresistivelmente dos lábios, foram como as primeiras<br />

manifestações <strong>de</strong> nova alma que lhe entrara no cérebro. Voltou imediatamente à estrada e se incorporou outra<br />

vez na tropa que já corria a marche-marche para a vila, por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Gil.<br />

Pedro <strong>de</strong> Lima não se enganava. Des<strong>de</strong> o amanhecer achava-se Luiz Soares com suas forças em Goiana e<br />

dava ai que fazer à nobreza.<br />

Nesta vila lavrava a anarquia, ora mais, ora menos, extensamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> julho, data do primeiro motim.<br />

Não menos <strong>de</strong> oito foram eles, numero que se elevará a muito mais, se aos movimentos das ruas, em certo<br />

modo organizados, juntarmos as disputas particulares, os <strong>de</strong>sforços pessoais, as afrontas e os <strong>de</strong>sagravos<br />

feitos em publico, enfim todos os conflitos naturais <strong>de</strong> duas forças políticas que se hostilizam a todo o transe<br />

no pressuposto <strong>de</strong> aniquilar-se mutuamente.<br />

Além <strong>de</strong>stas circunstancias comuns a todas as guerras civis, uma circunstancia especial tornava mais<br />

perigosas e freqüentes as agressões e as represálias em Goiana - a <strong>de</strong> serem os goianistas ar<strong>de</strong>ntes assim nas<br />

lutas da razão, como nas do sentimento.<br />

De data imemorial é a terra <strong>de</strong> Nunes Machado, <strong>de</strong> Arruda Câmara e <strong>de</strong> tantos outros vultos eminentes, foco<br />

<strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s viris fácil <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r-se, difícil <strong>de</strong> apagar-se. Filha legitima do Recife - vasto laboratório, em<br />

que fermentam as paixões populares sem intermitência, ainda que fria serenida<strong>de</strong> pareça algumas vezes<br />

indicar enfraquecimento ou sono da gran<strong>de</strong> alma pernambucana que tem ai a sua se<strong>de</strong>, Goiana sempre<br />

representou conspícuo papel nas agitações da província.<br />

Conhecedores da influencia, não só comercial, mas também política da vila, puseram os mascates particular<br />

empenho em tê-la <strong>de</strong> seu lado; e neste pressuposto fizeram <strong>de</strong>la sua segunda praça forte, ou o principal ponto<br />

dos seus recursos e forças, <strong>de</strong>pois da capital.<br />

Logo que no Recife se fez sentir a falta <strong>de</strong> viveres, foi <strong>de</strong> Goiana que trataram <strong>de</strong> os enviar para os sitiados.<br />

Um óbice porém apresentou-se imediatamente, o qual muito <strong>de</strong>u que pensar aos insurgentes - a rixa em que<br />

estavam com os habitantes <strong>de</strong> Goiana, os da Ilha, rixa que tem sua natural explicação, que é a seguinte:<br />

De Itamaracá se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma capitania in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Pernambuco, por doação que a Pero Lopes <strong>de</strong> Souza<br />

fizera por carta <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1534 d. João III, fora mudada a câmara para Goiana em 1685.<br />

Despeitados, começaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então os moradores <strong>de</strong> Itamaracá a ter para os <strong>de</strong> Goiana o sobr’olho<br />

carregado, e não perdiam ocasião <strong>de</strong> lhes dar mostras do seu <strong>de</strong>sagrado. Altos empenhos a favor da ilha, se<br />

não foram falsas informações movidas secretamente contra a vila, <strong>de</strong>ram lugar a expedir-se em data <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1709 or<strong>de</strong>m regia, <strong>de</strong>terminando voltasse para aquela a câmara que <strong>de</strong> lá saíra. Este ato veio<br />

converter em novos ódios ressentimentos antigos. Por isso não foi preciso, para que os da ilha tomassem o<br />

lado do governo, isto é, o da nobreza, mais do que saberem que Goiana se amotinara contra ele. Não po<strong>de</strong>ndo<br />

porém a primeira competir com a segunda, e havendo até suspeitas <strong>de</strong> que, para impedirem que fossem<br />

tomadas pelas autorida<strong>de</strong>s da ilha os gêneros remetidos pelos mascates para o Recife, tentavam estes apossarse<br />

<strong>de</strong>la, encarregaram os governadores militares o ajudante-<strong>de</strong>-tenente Gil Ribeiro <strong>de</strong> ocupar o Forte-<strong>de</strong>-<br />

Orange. O ajudante ai esteve até que partiu, por nova or<strong>de</strong>m, para Goiana, segundo vimos.<br />

A pacificação <strong>de</strong>sta vila era na realida<strong>de</strong> empresa que exigia animo e espíritos fortíssimos. Nunca estivera tão<br />

acesa ali a fogueira das paixões partidárias, como nos últimos dias que prece<strong>de</strong>ram ao da chegada <strong>de</strong> Gil<br />

Ribeiro. A nobreza, em conseqüência da voz, que correra dias antes, <strong>de</strong> que o bando <strong>de</strong> Paraíba, <strong>de</strong> passagem<br />

para o Recife, tomaria em Goiana larga <strong>de</strong>sforra das anteriores represálias, enten<strong>de</strong>u em fortificar-se, posto<br />

que sem ostentação, visto como os seus recursos não eram gran<strong>de</strong>s, nas mais importantes embocaduras.<br />

Nesse tempo a vasta campina que hoje se interpõe entre a ponte <strong>de</strong> Goiana, na Rua-do-rio, e o ancoradouro<br />

das barcaças, <strong>de</strong>nominado Porto-da-conceição, era um sitio ocupado por Jorge Cavalcanti, no qual tinha ele<br />

gran<strong>de</strong>s olarias. A casa <strong>de</strong> morada ficava no centro das terras. Do mirante punha-se <strong>de</strong>baixo das vistas toda a<br />

volta do rio Goiana que vinha do Porto-da-conceição, passava pela frente da campina e ia morrer, como ainda

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