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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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prestam as armas dos mascates, que as têm e <strong>de</strong> fina tempera.<br />

- Ah! Eles as têm?<br />

- Eles as têm, e tenho-as eu próprio a meu alcance.<br />

Melhor, melhor. Servirão para atravessar ou <strong>de</strong>golar os mesmos que as guardam em seus escon<strong>de</strong>rijos.<br />

- Veremos qual <strong>de</strong> nós se engana, respon<strong>de</strong>u Coelho.<br />

- Veremos, veremos, mascate - disse Cosme <strong>de</strong>scendo com seu séquito.<br />

Os olhos <strong>de</strong> Coelho <strong>de</strong>spediam insólito brilho. Na face que a ira fazia subitamente contrair-se e dilatar-se,<br />

havia certos tons <strong>de</strong> ferocida<strong>de</strong> felina.<br />

Miseráveis! Exclamou ele quando ainda o juiz não tinha <strong>de</strong>scido <strong>de</strong> todo a escada. São ineptos na própria<br />

hostilida<strong>de</strong> com que preten<strong>de</strong>m impor seu ridículo po<strong>de</strong>rio.<br />

Então, voltando-se para um dos caixeiros:<br />

- Vai já, já, em procura <strong>de</strong> Jeronimo Paes - disse. É preciso que ele me fale sem perda <strong>de</strong> tempo.<br />

- Patrão, precisa <strong>de</strong> mim? perguntou-lhe Bartolomeu.<br />

- Hoje não, amanhã, talvez. Po<strong>de</strong>s sair. Espera. Quando passares pela porta do Lauriano, dize-lhe que<br />

venha falar-me agora mesmo.<br />

Coelho <strong>de</strong>u alguns passos pela sala, penetrou no gabinete, voltou e logo após tornou a tomar para o interior.<br />

Antes <strong>de</strong> transpor a porta que dava para o quarto secreto, parou e perguntou ao segundo dos seus caixeiros se<br />

havia ainda soldados pela rua. Quando o rapaz tomava para a sacada, entrava na sala Luiz <strong>de</strong> Gouveia,<br />

mulatinho musico, <strong>de</strong> violento e <strong>de</strong>svairado patriotismo. Vinha acompanhado por diferentes homens do povo,<br />

trazia as feições <strong>de</strong>mudadas, os cabelos revoltos.<br />

Que novos ultrajes e atentados nos vens anunciar, Luiz? Inquiriu o negociante, antes que o musico falasse.<br />

Um atentado nefando. Seu Jeronimo Paes acaba <strong>de</strong> ser ferido <strong>de</strong> um tiro <strong>de</strong> pistola, que lhe dispararam da rua,<br />

quando estava falando.<br />

Eu esparava por isso, tornou o negociante. É natural que ao ultraje se seguisse o assassinato. Mas enganam-se.<br />

supondo aniquilar-nos, não fazem mais do que apressar a sua própria queda.<br />

- Mas que mais esperamos, Sr. Coelho? Interrogou Luiz. Não será ainda tempo <strong>de</strong> armar o povo e atirá-lo<br />

contra os fidalgotes? Havemos <strong>de</strong> morrer às mãos <strong>de</strong>les, e só então nos meterão nas mãos as armas? Vamos<br />

com isso, senhor, vamos com isso. O povo não pe<strong>de</strong> senão armas, não quer senão ir contra os nobres. E há<br />

muito povo pelas ruas?<br />

A vila inteira está nas ruas. O tiro <strong>de</strong>sfechado irritou todos os ânimos. Homens e mulheres correram à botica a<br />

saber o que tinha sucedido. Se apanham o assassino, fazem-no em postas. Dizem que é um escravo <strong>de</strong> João da<br />

Cunha.<br />

- Há <strong>de</strong> ser, há <strong>de</strong> ser. Não tem ele mandado fazer tantas mortes? Não é useiro e vezeiro nesse oficio? Não é<br />

ele o gran senhor <strong>de</strong>sta herda<strong>de</strong>, e não somos nós seus servos? Mas que a façam bem feita, porque se assim a<br />

não fizerem, com seu sangue serão lavados os insultos e agravos com que todo o dia nos batem às faces.<br />

Coelho foi interrompido neste ponto por uma voz rouca e tremula, que partia do meio da rua.<br />

- É a voz <strong>de</strong> Jeronimo - disse ele.<br />

Todos correram à sacada.<br />

- Ali vem ele - disse o musico.<br />

Querem a perturbação, o sangue, a morte? Dizia o marchante. Pois hão <strong>de</strong> ter todas estas calamida<strong>de</strong>s. Sou o<br />

procurados do povo <strong>de</strong> Goiana. Ainda há pouco vos dizia eu que da nobreza só tínhamos que esperar <strong>de</strong>s<strong>de</strong>ns<br />

e <strong>de</strong>spotismos. Agora já posso acrescentar que temos também que esperar o assassinato às escurinhas e<br />

traiçoeiramente. Não me mataram; apenas feriram-me no ombro; mas a morte dos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos<br />

do povo e a autorida<strong>de</strong> real, essa eles a têm <strong>de</strong>cretado como meio <strong>de</strong> consolidarem o seu po<strong>de</strong>r, filho da<br />

violência e do artificio. São réus <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> primeira cabeça. Ah! o que nos fazem - tenham certeza - não o<br />

botam em saco roto.<br />

Antes <strong>de</strong> ser ferido pelo tiro que lhe foi disparado por mão até hoje <strong>de</strong>sconhecida, Jeronimo Paes tinha já<br />

encaminhado parte do povo para o movimento insurrecional.<br />

Quando chegou à botica, ainda estava ai o Ricardo perorando em favor da nobreza. Ricardo era um rapaz <strong>de</strong><br />

condição obscura, que à proteção <strong>de</strong> um nobre <strong>de</strong>via certo emprego <strong>de</strong> que vivia. Não tendo podido completar<br />

a carreira sacerdotal, que encetara em vida do pai, viu-se obrigado, por morte <strong>de</strong>ste, a voltar à Goiana on<strong>de</strong><br />

esperava por ele a família acéfala.<br />

Jeronimo não teve para ele a menor cortesia na linguagem, e muito menos no gesto.<br />

- Tuas palavras são suspeitas, rufião - disse ele ao rapaz, ru<strong>de</strong>mente, mostrando-lhe um punho cerrado. Cada<br />

uma <strong>de</strong>las representa uma das migalhas com que teu protetor te matou a fome, dando-te o emprego que tens.<br />

Disseste há pouco que não temos nem armas nem dinheiro. Enganas-te, vilão. Em nossos armazéns temos

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