15.04.2013 Views

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

fornalha. Da mão, em vez do chiqueirador <strong>de</strong> buranhém que trazia, pendia agora uma catana fora da<br />

bainha.<br />

Mas <strong>de</strong> momento a momento ia repetindo, como <strong>de</strong> se para si:<br />

- Lourenço, Marcelina, que terá sido <strong>de</strong> vocês? Coração, tu estás a anunciar-me uma <strong>de</strong>sgraça sem<br />

nome. Deus se lembre <strong>de</strong> mim, Deus se lembre <strong>de</strong> mim!<br />

Eis o que tinha acontecido no Cajueiro, ao escurecer do dia anterior.<br />

Lourenço, que <strong>de</strong>pois do que se passara no samba esperava a cada momento ser ofendido por Tunda-Cumbe<br />

ou por algum dos seus sequazes, vendo entrar um vulto <strong>de</strong>sconhecido no caminho das carvoeiras, pegou da<br />

espingarda <strong>de</strong> Francisco, e, sem que Marcelina soubesse, encaminhou-se par aquele ponto.<br />

Detrás da palhoça dos negros existia uma cova imensa, em que um homem podia meter-se até aos peitos.<br />

Com as ultimas chuvas tomara ela muita água, e se convertera em barreiro, don<strong>de</strong> os sapos estavam a essa<br />

hora soltando suas monótonas toadas. O rapaz avançou para ela por baixo das ramas rasteiras dos cajueiros.<br />

Na parte mais funda a água <strong>de</strong>u-lhe pela cintura. Lourenço pouco se importou com isto. O que ele queria era<br />

saber quem era o vulto e o que ia fazer ali. Eis o que viu e ouviu.<br />

Estavam <strong>de</strong>ntro da palhoça, com os habitantes do costume, um negro do serviço domestico <strong>de</strong> João da Cunha<br />

por nome Germano e o Pedro <strong>de</strong> Lima, cabra <strong>de</strong>stemido do séquito <strong>de</strong> Tunda-Cumbe, braço direito <strong>de</strong>ste, para<br />

assim escrevermos, que <strong>de</strong>ixou nome na historia da guerra, pelas - extorsões, mortes, roubos e outras<br />

<strong>de</strong>senvolturas que cometeu em Goiana, <strong>de</strong> que fora o terror.<br />

No momento em que Lourenço po<strong>de</strong> enxergá-los através das palhas da choupana, estava Pedro <strong>de</strong> Lima, a<br />

frente voltada para o casal <strong>de</strong> negros e o Germano, justamente a dizer-lhes estas palavras:<br />

- É certinho o que digo; po<strong>de</strong>m crer que terão vocês sua liberda<strong>de</strong>. Guardarei todo o segredo.<br />

Lourenço compreen<strong>de</strong>u logo, por estas palavras, que o cabra prometia aos negros a alforria a troco <strong>de</strong> um<br />

levante contra João da Cunha.<br />

- Então, então, Germano, que dizes a esta proposta? perguntou Moçambique ao negro da confiança do<br />

sargento-mór. Pois a liberda<strong>de</strong> é coisa que se engeite?<br />

- A liberda<strong>de</strong> é boa coisa, e eu a não engeito, assim ela venha, respon<strong>de</strong>u Germano. Mas se os outros<br />

parceiros não quiserem aceitar a proposta, e meu senhor vier a saber que eu é que an<strong>de</strong>i nisso, quem me<br />

livrará <strong>de</strong> ir ao carro ou à fornalha?<br />

- És um pateta, moleque, disse Pedro <strong>de</strong> Lima. De hoje até amanhã hei <strong>de</strong> dar no engenho <strong>de</strong> teu senhor. Se<br />

acontecer o que eu cá espero, amanhã <strong>de</strong> manhãzinha o chumbo assobia nas urupemas <strong>de</strong> sua casa e a faca<br />

trabalha nas banhas da barriga <strong>de</strong>le. Se os negros que ele lá tem consigo prontos para dar e apanhar, faltarem<br />

na hora do apuro, não haverá santos que o livrem <strong>de</strong> ir direitinho para a bagaceira, servir <strong>de</strong> pasto aos urubus.<br />

- Mas aí é que está a historia, observou Germano. Eu sei lá se eles querem faltar ou não?<br />

Negros safados são todos vocês. Não prestam nem para tratar <strong>de</strong> libertar-se. Não sabem nem ao menos <strong>de</strong>ixar<br />

a senzala, on<strong>de</strong> andam curtidos <strong>de</strong> fome e sono, pela mata virgem. Negros <strong>de</strong> patente eram os dos Palmares.<br />

Aqueles sim. Foram quarenta os que primeiro meteram a cabeça no mato; daí a pouco já eram não sei quantos<br />

mil. Vocês são ao pé <strong>de</strong> duzentos e têm medo do chicote do feitor. Vai, Germano, falar a João-Congo, a<br />

Thomaz, a Januario e a Jacinto. Se eles não tiverem coragem para a tragédia, faze tu o que te vou dizer.<br />

- Diga lá.<br />

Quando o engenho for atacado por nós, corre a botar água <strong>de</strong>ntro dos canos das armas <strong>de</strong> fogo. Isto é coisa<br />

muito fácil, e que tu po<strong>de</strong>s fazer sem ninguém saber, nem ser preciso que alguém te aju<strong>de</strong> neste serviço.<br />

Germano nada disse, e, pelos modos, <strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ntre diferentes alvitres indicados pelo audaz<br />

bandoleiro, era este o que mais lhe quadrava. Mas súbito, com gesto <strong>de</strong> quem tinha tomado uma resolução<br />

<strong>de</strong>cisiva, assim falou a Pedro <strong>de</strong> Lima:<br />

- - Sabe que mais, seu Pedro <strong>de</strong> Lima? Eu não faço a meu senhor isso que vosmecê propõe. Ele para mim é<br />

bem bom senhor. Até minha senhora, que é uma soberbona, essa mesma já uma vez me prometeu alforia.<br />

Pateta! Estás com medo, moleque ruim.<br />

Este moleque é assim mesmo, disse Quiteria. Promete as coisas e não faz. Quer e não quer. Tem medo do<br />

bacalhau - disse o cabra <strong>de</strong>speitado. Não tem agora medo <strong>de</strong> minha faca, ou do bacamarte <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Ferreira. Eu só digo uma coisa: encontrando-te diante <strong>de</strong> mim, no momento do ataque há <strong>de</strong> ser para ti a<br />

minha primeira facada ou o meu primeiro tiro.<br />

- Não se zangue comigo, seu Pedro <strong>de</strong> Lima, disse Germano com certa expressão e revirado <strong>de</strong> olhos, para dar<br />

XX

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!