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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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costumam nascer pelos sopés das montanhas, as rolinhas, <strong>de</strong> duas em duas - mo<strong>de</strong>los da união dos dois sexos<br />

estreitada pelos laços do afeto natural, mo<strong>de</strong>sto e sóbrio que Deus plantou no coração dos irracionais, e que só<br />

a razão, ou antes, a obliteração <strong>de</strong>la perturba na espécie humana - <strong>de</strong>pinicando silenciosas, a fazer voltas em<br />

sentidos opostos e a encontrar-se <strong>de</strong>pois, como para afirmarem mutuamente que nunca jamais se separariam, a<br />

não ser momentaneamente. Nenhuma <strong>de</strong>ssas manifestações da vida campestre, nem mesmo o conjunto <strong>de</strong><br />

todas elas, tinha <strong>de</strong>spertado no coração <strong>de</strong> Marianinha o sentimento brando e in<strong>de</strong>finível que ela começou a<br />

conhecer dali por diante. Francisco e Lourenço não se <strong>de</strong>moraram, tiraram para a mata a falar com Victorino;<br />

a impressão porém que a assaltou, quando ela viu pela primeira vez o menino, e que <strong>de</strong>pois, acrescentada<br />

pelas relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e pelo tempo, se agigantou a ponto <strong>de</strong> constituir-se um mundo, uma imensida<strong>de</strong>,<br />

essa perdurou para sempre não só em seus olhos, enchendo-os <strong>de</strong> novos brilhos, mas em toda a sua alma,<br />

povoando-a <strong>de</strong> nuvens rosadas e <strong>de</strong> paisagens verdoengas.<br />

Eis porque Marianinha olhava agora ás furta<strong>de</strong>las para o rapaz, achando graça particular no modo como ele<br />

botava o cacete sobre a tulha do feijão.<br />

X<br />

Seriam <strong>de</strong>z para onze horas quando <strong>de</strong>ram principio ao trabalho.<br />

Com o calor e as cacetadas os caroços entraram a separar-se dos longos estojos. Duas horas <strong>de</strong>pois um<br />

montão <strong>de</strong> pó cobria grossa camada <strong>de</strong> sementes alvas e luzidias. Então os batedores suspen<strong>de</strong>ram os cacetes<br />

e entraram para <strong>de</strong>scansar. Victorino foi direitinho a uma botija que estava sobre a mesa, e <strong>de</strong>rramando<br />

aguar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma xícara, ofereceu o refrigerante licor ao compadre. Este não se fez rogar; <strong>de</strong> um<br />

trago enxugou a vasilha. A Lourenço, que não bebera do espirito, ofereceu nesse momento Marianinha uma<br />

tijelinha com cajuada. A menina tinha preparado com suas próprias mãosinhas este refresco. Já então se<br />

achava ai o Saturnino, que não po<strong>de</strong>ndo ver com bons olhos o agrado, quis, com o pretexto <strong>de</strong> gracejar, tomalo<br />

das mãos <strong>de</strong> Lourenço. Este porém entregou-o, sem a menor oposição, ao sobrinho <strong>de</strong> Victorino, dizendolhe<br />

estas palavras:<br />

- Tome para você. Não gosto <strong>de</strong> ponche <strong>de</strong> caju.<br />

Marianinha, corando <strong>de</strong> contrarieda<strong>de</strong> e confusão, voltou a trocar os bilros em sua almofada. Ela não queria<br />

mal ao primo, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento começou a trata-lo com manifesta frieza.<br />

Entrava a esse tempo na sala a Bernardina trazendo um pedaço <strong>de</strong> cana. Lourenço foi-se a ela, no momento<br />

mesmo em que a menina o oferecia a Saturnino, e o arrancou da sua mão com surpresa. Esta violência irritou<br />

a moçoila que sem hesitar se atirou ao rapaz, a fim <strong>de</strong> retomar a proprieda<strong>de</strong>. Ele resiste. A resistência leva a<br />

rapariga a insistir cada vez mais na sua resolução. Agarram-se os dois corpo a corpo. Agarrarem-se assim foi<br />

o mesmo que se abraçarem naturalmente. Os cachos dos negros cabelos da matutinha roçam pelas faces do<br />

travesso rapaz. Com ou sem intenção, conchega este aos seus seios os seios boleados da rapariguinha gentil e<br />

ofegante. Era já tempo <strong>de</strong> Saturnino interpor-se e ele, compreen<strong>de</strong>ndo a gravida<strong>de</strong> da luta, não se fez esperar.<br />

Separam-se logo os discor<strong>de</strong>s, um <strong>de</strong>les - Lourenço - com o pedaço do doce fruto disputado, o outro -<br />

Bernardina - com as mãos vazias.<br />

- A cana não é para você, Lourenço - disse ela, resmungando com raiva. Eu a guar<strong>de</strong>i par Saturnino.<br />

- Ora, <strong>de</strong>ixe-se disso - respon<strong>de</strong>u o endiabrado rapaz. saturnino ainda achou pouca a cajuada que lhe <strong>de</strong>i? Se<br />

quiser cana, vá corta-la na baixada. Esta é minha. Está doce que sabe já a açúcar.<br />

Travou-se então um dize tu, direi eu que só teve fim quando os rapazes foram chamados pelos velhos para<br />

continuar o serviço interrompido. Ao sair para o pátio, Lourenço, pondo os olhos casualmente em Marianinha,<br />

achou-a pálida e séria como nunca a vira. A menina tinha a vista pregada na renda, como estava esta pregada<br />

na almofada pelos espinhos <strong>de</strong> car<strong>de</strong>iro que nela serviam <strong>de</strong> alfinetes, segundo era <strong>de</strong> costume por esses<br />

tempos entre os pobres. Marianinha não teve mais para o seu noivo in peto olhares nem sorrisos nem atenções<br />

durante o restante do dia. Quando á tardinha, levantado o papelão, que Joaquina lhe <strong>de</strong>ra por tarefa, ela foi<br />

com sua mãe e irmã sessar o feijão na urupema para o expurgar da areia e do barro original, a menina tinha no<br />

rosto a grave expressão que é própria não da filha mas da mãe <strong>de</strong> família. O <strong>de</strong>speito e o ciúme mordiam pela<br />

primeira vez seu coração, antes merecedor do contentamento inefável a que ela aspirava, do que do pesar<br />

profundo que ai tinham <strong>de</strong>ixado os <strong>de</strong>ntes envenenados <strong>de</strong>stas duas serpentes interiores. Assim se passou esse<br />

dia, que projetou sombria nuvem, em forma <strong>de</strong> espectro ou <strong>de</strong> ave agoureira, na imaginação da pequena.<br />

Tempos <strong>de</strong>pois Francisco, levando em sua companhia Lourenço, fez nova digressão á casa do compadre.<br />

Eram todos no roçado quebrando milho, que <strong>de</strong>via ser batido como fora o feijão.

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