O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Você vai prá sua terra,<br />
Bem pu<strong>de</strong>ra me levar;<br />
Prá saber que eu quero ir<br />
Não carece perguntar.<br />
Lourenço retorquiu:<br />
Dei um nó na fita ver<strong>de</strong>,<br />
Dei-lhe a fita <strong>de</strong> presente;<br />
Você fala, e não repara<br />
Que estamos diante <strong>de</strong> gente.<br />
Eis a resposta da rapariga:<br />
Amores, quando te fores,<br />
Antes <strong>de</strong> ir tira-me a vida,<br />
Que eu não tenho coração<br />
De ver a tua partida.<br />
O <strong>de</strong>safio foi neste ponto interrompido por um rumor inesperado, idêntico ao que produz o arranco <strong>de</strong> onça<br />
por entre a folhagem. Não uma onça, mas o Tunda-Cumbe tinha atravessado <strong>de</strong> um salto, causa do rumor, a<br />
primeira or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pessoas que formavam o circulo, e achava-se ao pé <strong>de</strong> Lourenço, com a catana levantada<br />
contra o rapaz. Mas ainda bem não erguia o braço armado, quando um homem, saído, como ele,<br />
violentamente <strong>de</strong>ntre os circunstantes, se interpunha entre o agressor e o agredido, tendo na mão fora da<br />
bainha a faca que trazia ao cós. O homem não era outro senão Francisco.<br />
Cessaram imediatamente as vozes dos cantores e instrumentos, e todas as vistas e atenções concentraram-se<br />
no ponto do conflito.<br />
- - Que ação é esta, seu Tunda-Cumbe? perguntou Francisco a Manoel Gonçalves. O que vosmecê fizer a meu<br />
filho, terá feito a mim mesmo. O que eu quero é que me digam o motivo <strong>de</strong>ste barulho, disse Victorino<br />
apresentando-se.<br />
É que este menino ainda não achou quem lhe <strong>de</strong>sse o ensino <strong>de</strong> que precisa, respon<strong>de</strong>u Manoel Gonçalves.<br />
- O que eu quero saber é o motivo do barulho, repetiu Victorino.<br />
- Você o saberá quando for tempo. Palavra <strong>de</strong> Manoel Gonçalves Tunda-Cumbe.<br />
Lourenço, que até então guardara silêncio, rugiu a meia voz:<br />
Eu se não me for embora daqui, faço as todinhas e acabo ainda com muito sol. O sangue está a ferver-me.<br />
Entretanto, o Tunda-Cumbe metera a catana na bainha, e Francisco tinha feito o mesmo com a faca.<br />
Victorino virou-se para este ultimo, enquanto aquele se afastava dando a um e a outro a razão do seu<br />
procedimento; e a meia voz perguntou:<br />
- Viu você o principio da briga, compadre? Se viu, conte-me a historia como foi.<br />
Para dizer a verda<strong>de</strong>, eu não sei bem a causa da contenda. Mas parece-me que a Bernardina anda no meio.<br />
Tenha paciência, compadre, e perdoe o que lhe vou dizer. É preciso acabar com estes sambas em sua casa.<br />
Quem tem filhas, não abre as suas portas assim a Deus e ao mundo.<br />
- Eu não convi<strong>de</strong>i o Tunda-Cumbe para o meu divertimento. Se ele entrou aqui foi confiado em ser nosso<br />
freguês <strong>de</strong> peixe.<br />
- Pois abra os olhos, que ele disse que a Bernardina é tainha que ainda há <strong>de</strong> cair no seu caçuá. E a<strong>de</strong>us, a<strong>de</strong>us.<br />
Vamos, Lourenço.<br />
- Pois ele disse isto, meu compadre? Ele não conhece Victorino.<br />
Quando Francisco chegou com o filho à porta do casebre, achou aí da banda <strong>de</strong> fora o Victorino, o Tunda-<br />
Cumbe e um pardo <strong>de</strong> Goiana que tinha o oficio <strong>de</strong> sapateiro. A este último dizia o Tunda-Cumbe as<br />
seguintes palavras:<br />
- Diga a seu Antonio Coelho que fico entendido do recado, que me mandou por você e daqui a pouco lá<br />
estarei.<br />
O pardo, por nome Lauriano, saiu, e o Victorino dirigiu-se nestes termos a Manoel Gonçalves:<br />
Seu Tunda-Cumbe , eu quero dizer-lhe os meus sentimentos. A Bernardina é solteira, mas já tem noivo. Por<br />
isso escusa andar vosmecê a fazer <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns na casa alheia por causa <strong>de</strong>la.<br />
- Eu bem sei don<strong>de</strong> partem estas historias e por saber don<strong>de</strong> elas partem é que as suas palavras me entram por<br />
um ouvido e me saem pelo outro. Se a Bernardina tiver <strong>de</strong> ser minha, não há <strong>de</strong> ser nem você nem seus<br />
parceiros que tenham forças para o impedir. Não seja tolo, Victorino.<br />
Dizendo estas palavras, Manoel Gonçalves ganhou a besta <strong>de</strong> um salto e tomou a correr, a caminho <strong>de</strong><br />
Goiana.<br />
- Que lhe disse eu, compadre? Observou Francisco, que chegara ao lado <strong>de</strong> fora ainda a tempo <strong>de</strong> ouvir as