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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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canto objetos que reluziam. Coelho levantou a tampa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses caixões para que o barcaceiro visse o seu<br />

conteúdo. Que é que estás vendo, Bartolomeu? perguntou ele a modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svairado.<br />

- Armas <strong>de</strong> fogo, patrão.<br />

- É verda<strong>de</strong>; são armas. Foste tu mesmo que as trouxeste, supondo que trazias ferragens para o engenho que<br />

estou construindo. São trezentas espingardas e duzentos bacamartes. Aquilo que reluz dali do canto são<br />

espadas, catanas e parnaíbas. Já vês que Ricardo não passa <strong>de</strong> um mentiroso, um <strong>de</strong>sprezível vilão. Agora<br />

subamos.<br />

Subiram.<br />

Ao penetrarem no gabinete, on<strong>de</strong> se escondia a escada, Coelho indicou ao barcaceiro um animal <strong>de</strong> tamanho<br />

<strong>de</strong>scomunal, <strong>de</strong>itado aos pés da cama <strong>de</strong> seu uso.<br />

- Que te parece isto, Bartolomeu? perguntou Coelho.<br />

- Um gran<strong>de</strong> cachorro. Oh que monstro!<br />

- É o meu <strong>de</strong>fensor. Ele agora está dormindo. Aproxima-te. Tens medo? É um cão que só tem <strong>de</strong>ntes para os<br />

ladrões.<br />

- O barcaceiro, em vez <strong>de</strong> se aproximar, afastou-se. Coelho e Jeronimo sorriram. Não fujas. O animal é<br />

benévolo e inofensivo. Pega neste can<strong>de</strong>eiro e encosta-te bem a mim para o po<strong>de</strong>res ver <strong>de</strong> perto. Ficarás<br />

sabendo o que ele vale. Não sem receio, Bartolomeu fez o que mandara o mascate. Este meteu então no canto<br />

<strong>de</strong> um dos olhos do animal adormecido um pequeno objeto que tirara do bolso. Houve um como movimento<br />

na fera, o que fez o barcaceiro recuar amedrontado. Não fujas, Bartolomeu. Estou aqui. Aproxima-te.<br />

- Aos olhos <strong>de</strong> Bartolomeu mostrou-se então um sonho, uma visão <strong>de</strong>slumbrante e incrível. O animal tinha-se<br />

aberto pelo ventre <strong>de</strong> banda à banda; e naquela sobre a qual estava <strong>de</strong>itado, o que o barcaceiro <strong>de</strong>scobriu<br />

foram dobras em pequenas tulhas, formando carreiras pelo longo vão. Ó xentes! exclamou Bartolomeu<br />

maravilhado. Quanta moeda, quanto ouro! Meu Deus! Pois é esta a burra <strong>de</strong> seu Coelho?!<br />

Todo este dinheiro, disse o negociante, ganhei-o eu pela minha industria nesta terra. Devo acaso à terra ou ao<br />

meu trabalho, as minhas economias? Devo-as ao meu trabalho; a terra não dá dinheiro. Os preguiçosos não<br />

serão capazes <strong>de</strong> o ajuntar, ainda que morram <strong>de</strong> velhos no país mais fecundo e rico do globo. Dizem que esta<br />

terra é <strong>de</strong>les. Não há tal. O mundo é da humanida<strong>de</strong>. Povos que vivem hoje em um ponto, po<strong>de</strong>m viver<br />

amanhã em outro com o mesmo direito. Assim os homens que trabalham. Pois bem, todo este cabedal,<br />

adquirido com o suor do meu rosto, será aplicado em <strong>de</strong>fesa da autorida<strong>de</strong> real e do interesse do povo, a que<br />

os nobres tencionam antepor o seu bem estar, a sua rebeldia. Mas não percamos tempo, Sr. Paes, disse ao<br />

marchante, pegando <strong>de</strong> um açafate e atirando <strong>de</strong>ntro nele algumas das tulhasinhas <strong>de</strong> dobrões, que se viam<br />

enfileiradas no ventre do cão <strong>de</strong> bronze. Eis a minha idéia. É preciso <strong>de</strong>sfazer imediatamente, com dinheiro,<br />

as invenções <strong>de</strong> Ricardo. Correi à botica do Rogoberto, meu amigo e Sr. Paes. Falai do <strong>de</strong>spotismo da<br />

nobreza, da covardia do bispo, da estupi<strong>de</strong>z do bispo e dos nobres. Discorrei com o fervor que vos é natural,<br />

sobre igualda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong>. O povo é perdido por estes sentimentos. Espraiai-vos em<br />

<strong>de</strong>monstrar<strong>de</strong>s a conveniência <strong>de</strong> acabar-se com o cerco do Recife, o qual impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> saírem os nossos<br />

produtos, que têm bom preço nas praças estrangeiras, e <strong>de</strong> entrarem os produtos estrangeiros <strong>de</strong> que<br />

precisamos. Acrescentrai que a fome e a nu<strong>de</strong>z hão <strong>de</strong> chegar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pouco tempo aos campos e aos<br />

sertões. Talvez que, estimulados ou advertidos por vossas palavras, muitos dos que vos escutarem queiram<br />

pegar em armas contra o juiz ordinário, o sargento-mór, enfim contra as autorida<strong>de</strong>s atuais que tiveram quase<br />

todas por origem monstruosa rebeldia. Se o povo se mostrar <strong>de</strong>liberado a pegar em armas...<br />

- E porque não se há <strong>de</strong> mostrar? interrogou Jeronimo Paes.<br />

Ten<strong>de</strong>s razão, ten<strong>de</strong>s razão. Enfim <strong>de</strong>ixo o resto por vossa conta, Sr. Paes. Bem sabeis que o povo <strong>de</strong> Goiana<br />

<strong>de</strong>ve pegar em armas <strong>de</strong> hoje até amanhã contra os que se dizem nobres. É indispensável que isto aconteça. É<br />

absolutamente necessário que a excitação publica, em vez <strong>de</strong> se mo<strong>de</strong>rar, vá por diante cada vez mais.<br />

Ajudados por ela, os amigos, que esperamos, po<strong>de</strong>rão penetrar facilmente na vila e assenhorear-se <strong>de</strong>la.<br />

Acharão os ânimos preparados para a gran<strong>de</strong> empresa.<br />

Estas palavras levaram, como eletricamente, a exaltação, a vertigem ao animo do marchante já <strong>de</strong> se ar<strong>de</strong>nte.<br />

Dou-vos minha palavra que em menos <strong>de</strong> uma hora havemos <strong>de</strong> Ter o povo solto pelas ruas em procura <strong>de</strong><br />

nobres para amarrar, como se foram caranguejos.<br />

A modo <strong>de</strong> alucinado, Jeronimo correu imediatamente <strong>de</strong> escadas abaixo, fazendo tinir as moedas <strong>de</strong>ntro do<br />

açafate, e dizendo em altas vozes:<br />

- São rosas que me caíram do céu. Cheguem-se a mim, que hão <strong>de</strong> ver como são bonitas e cheirosas estas<br />

flores consoladoras.

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