O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
- Trabalhando com seus cestos.<br />
Apareceu nesse momento Joaquina na porta da casa, as mangas do vestido para baixo, o cabeção <strong>de</strong> rendas á<br />
mostra, os pés no chão.<br />
- Por isso é que o dia amanheceu tão bonito. É porque o compadre Francisco tinha <strong>de</strong> aparecer hoje por aqui.<br />
- Não presto mais para nada, comadre. Mas porém já fui um cabra mesmo pimpão. Muita mulata bonita já se<br />
remexeu por mim ouvindo-me cantar ao som da viola, em noites <strong>de</strong> luar. Hoje <strong>de</strong>ixo isso para esta mocida<strong>de</strong><br />
que se está enfeitando, para esses frangotes que como a nossa criação vão enchendo os nossos terreiros.<br />
E apontou para Lourenço e as raparigas que nessa ocasião conversavam entre si. Estas não se <strong>de</strong>moraram a vir<br />
cumprimentar o matuto. Marianinha chegou-se para bem parto <strong>de</strong>le, e, esten<strong>de</strong>ndo a mão direita, disse, corada<br />
e confusa:<br />
- Sua benção, meu padrinho.<br />
- Deus te dê um bom marido.<br />
- Isto é que é o mais custoso - observou Joaquina.<br />
- Há <strong>de</strong> aparecer, há <strong>de</strong> aparecer, tornou Francisco.<br />
- Também se há <strong>de</strong> ser algum vadio, algum preguiçoso que não tenha animo nem para peiar um cavalo,<br />
melhor será que esteja ela solteira ai <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa, acrescentou Victorino.<br />
Neste tom correu a palestra ainda por alguns minutos, Lourenço conversando a maior parte do tempo com<br />
Bernardina, e Victorino e Joaquina com Francisco.<br />
Entretanto o dia ia crescendo, o sol subindo e o feijão estalando no terreiro: o que levou Francisco a dirigir<br />
esta pergunta ao compadre:<br />
- Para quando guarda bater o feijão?<br />
- Estou esperando por meu sobrinho Saturnino, que ficou <strong>de</strong> voltar, mas ainda não chegou.<br />
Ora! Aqui estou eu e o Lourenço para o ajudarmos. Eu não tenho que fazer hoje. Dei este salto até cá por<br />
distrair-me.<br />
- Pois se você quer, vamos a isso.<br />
Francisco chamou pelo pequeno. Para terem mais <strong>de</strong>sembaraçados os movimentos, tiraram as camisas; assim<br />
- nus da cintura para cima - ficaram inteiramente á vonta<strong>de</strong> e conformemente ao costume do campo. Cada um<br />
pegou então do seu cacete, e começaram a surrar a gran<strong>de</strong> tulha que primeiro se lhes ofereceu á vista.<br />
As mulheres, pelo sentimento <strong>de</strong> pudor que lhes é natural, especialmente no campo, não obstante lhes<br />
faltarem as saudáveis praticas, presente da educação, tinham-se recolhido antes á sala da casa, e ai se<br />
entregaram a diferentes gêneros <strong>de</strong> ocupações. Bernardina, sentada em uma esteira <strong>de</strong> juncos, e Marianinha<br />
em um couro <strong>de</strong> cabra, faziam companhia, tendo cada uma entre as pernas sua almofada com vistosas rendas,<br />
a Joaquina que, pousada no chão, com as pernas estiradas uma sobre outra, fiava em um fuso pastas <strong>de</strong><br />
alvíssimo algodão que ela ia tirando <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do balaio, on<strong>de</strong> trazia um montão <strong>de</strong>las abertas.<br />
Dai a pouco Bernardina entrou a cantar para se umas letras matutas, enquanto sua mãe repetia os pés <strong>de</strong> um<br />
bem-dito que <strong>de</strong> costume tirava sempre que se punha a fiar. Era lembrança da missão que um capuchinho<br />
fizera em Goiana anos atrás. Marianinha guardava silencio. Ouvia com atenção as toadas das duas<br />
canta<strong>de</strong>iras, porém mais atentos do que os ouvidos tinha ela os olhos , que <strong>de</strong> quando em quando levava<br />
furtivamente da renda a Lourenço por uma aberta da porta pela qual entrava com a imagem do rapaz um<br />
pedaço <strong>de</strong> céu azul.<br />
O amor que Marianinha votava a Lourenço, vinha dos primeiros anos, mas já era ar<strong>de</strong>nte, continuado,<br />
exclusivo. Nasceu no momento em que o menino foi apresentado á família. Remontemo-nos a esse momento.<br />
Victorino tinha dado do menino as piores informações; mas sua filha o achou tão bonito que ficou escrava<br />
<strong>de</strong>le. Tinha ido Victorino abrir um roçado <strong>de</strong>ntro da mata que lhe ficava por traz da quadra <strong>de</strong> terra que o<br />
senhor do engenho lhe <strong>de</strong>ra para cultivar. Como não era muito gran<strong>de</strong> o espaço concedido, da casa ouvia-se o<br />
ruído que, ao cair, produziam com as folhas e as arvores <strong>de</strong>rrubadas pelo po<strong>de</strong>roso machado foreiro. Ao ruído<br />
das arvores, ao ciciar das por entre a folhagem <strong>de</strong> um pé <strong>de</strong> massaranduba que ficava <strong>de</strong> um lado da casinha,<br />
ao cantar dos chechéus poisados esse momento sobre as bananeiras do quintal, Marianinha, que na ocasião <strong>de</strong><br />
chegarem os hospe<strong>de</strong>s, estava no terreiro brincando com suas bonecas, sentiu que <strong>de</strong>spertará novo sentimento<br />
em seu coração. Esse sentimento não se confundia com o que ela experimentava minutos antes ouvindo os<br />
mesmos rumores e o mesmo canto; era diferente, posto que acompanhado do mesmo natural cortejo.<br />
A manhã estava esplendida. O sol aquecia, sem queimar, as plantas e os animais, vivificando-os. As vastas<br />
sombras dos matos e dos oiteiros, projetando-se sobre o capinzal don<strong>de</strong> iam <strong>de</strong>saparecendo os últimos pingos<br />
da orvalhada brilhante da noite, po<strong>de</strong>r-se-iam comparar com as folhas fechadas <strong>de</strong> um livro imenso --o livro<br />
da natureza. Poucas horas <strong>de</strong>pois essas folhas estavam <strong>de</strong> todo abertas, a luz patenteava nelas muitas belezas,<br />
que a sombra ocultava antes, a saber, as moitas figurando ninhos virados, as flores inodoras, mas lindas, que