O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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- Todos estão ai, Roberto? Perguntou ele, Roberto era o feitor. Todos, menos Germano, que ainda<br />
não voltou do engenho.<br />
- Tem cuidado, Roberto, enquanto volto.<br />
Senhor sim. Não há <strong>de</strong> acontecer nada. Nesse momento, <strong>de</strong> um bando que passava pela frente do<br />
sobrado, partiu um grito insultuoso, que veio ferir o senhor-<strong>de</strong>-engenho no coração:<br />
- Morra o assassino! Morra a escopeteira !<br />
João da Cunha, a modo <strong>de</strong> gelado <strong>de</strong> cólera, mal po<strong>de</strong> ir ter com os amigos que à porta da casa punham os pés<br />
nos estribos.<br />
- - Conhecestes aquela voz, Sr. João? Perguntou-lhe, já montado Cosme Bezerra, mal po<strong>de</strong>ndo conter a raiva<br />
que o assaltara. Há <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> algum vendido ao dinheiro <strong>de</strong> Coelho ou <strong>de</strong> Paes.<br />
- É a voz <strong>de</strong>sse rábula infame que imagina fundar em Goiana uma republica ateniense.<br />
- Quem? O Belchior?<br />
Ele mesmo, esse velhaco, essa pústula do foro, que vive especialmente <strong>de</strong> promover a alforria dos negros dos<br />
engenhos para passar as unhas no magro cobre <strong>de</strong>les e fazer pirraça aos senhores. ninguém ainda se inculcou<br />
tão amante da liberda<strong>de</strong>, tão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, tão probo como ele: a verda<strong>de</strong>, porém, é que ele não passa <strong>de</strong> um<br />
saltimbanco audaz, um charlatão formado em tretas e torpezas que <strong>de</strong>spertam nojo. Mal acabadas estas<br />
palavras, novo bando que vinha nas pisadas do primeiro, parou diante da casa e repetiu o pregão, que ainda<br />
soava aos ouvidos dos fidalgos:<br />
- Morra o assassino! Morra a escopeteira!<br />
- Quereis saber, Sr. Cosme? disse subitamente o sargento-mór. I<strong>de</strong> vós a vosso <strong>de</strong>stino, que eu fico. Há <strong>de</strong> vir<br />
terceiro grupo parar em frente <strong>de</strong> minha casa, e é preciso que eu esteja presente para dar-lhe a resposta que<br />
merecem. Roberto, Roberto? Gritou João da Cunha da porta que punha em comunicação o armazém com a<br />
entrada. Carreguem as armas e venham colocar-se todos vocês em seus postos. Ao terceiro insulto quero ouvir<br />
soar o fogo.<br />
- Os cavaleiros partiram, enquanto o sargento-mór, quase fora <strong>de</strong> si, subia para junto <strong>de</strong> sua mulher. Por seu<br />
gosto estaria nas ruas, promovendo a reação ou a contrarevolta. Mas compreendia que naquele momento não<br />
lhe era licito arredar-se <strong>de</strong> casa. Preste atenção, Sr. João da Cunha, disse-lhe d. Damiana, chegando a uma das<br />
janelas da sacada on<strong>de</strong> estava o marido. Não ouvis ruído <strong>de</strong> pancadas contra as portas na Rua-direita?<br />
- Estou ouvindo. Quem sabe se já não é o saque?<br />
- O saque!<br />
- Quando a plebe se solta, é aí que vai parar. Mas on<strong>de</strong> está e o que tem feito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tar<strong>de</strong> Antonio Rabelo<br />
com sua força? Oh não po<strong>de</strong>r eu sair!<br />
Enquanto assim falava o senhor-<strong>de</strong>-engenho, Cosme corria à Rua-do-meio a tomar o comando da pequena<br />
força que se achava sob as or<strong>de</strong>ns do alferes Maciel. Seus gran<strong>de</strong>s espíritos não se compa<strong>de</strong>ciam com a reação<br />
morna e frouxa. De caminho, ele <strong>de</strong>scavalgava aqui para dar uma or<strong>de</strong>m, ou combinar uma provi<strong>de</strong>ncia;<br />
arrojava-se acolá temerariamente sobre os adjuntos e impunha-lhes que se <strong>de</strong>sfizessem. Se era atendido,<br />
passava; se não era, empregava meios indiretos <strong>de</strong> o ser. Esses meios eram a brandura, a persuasão, a ameaça.<br />
Faltava-lhe gente para <strong>de</strong>sempenhar satisfatoriamente o papel que teve nesse, como nos principais motins <strong>de</strong><br />
Goiana; mas todas as faltas supria admiravelmente sua intrepi<strong>de</strong>z por todos reconhecida <strong>de</strong> há muito e<br />
glorificada <strong>de</strong>pois pelo historiador.<br />
Logo que tomou o comando da força, encaminhou-se com ela à ca<strong>de</strong>ia, para on<strong>de</strong> tinham ido Luiz Vidal e<br />
Filipe Cavalcanti a reunir-se com Antonio Rabelo, receosos <strong>de</strong> que os amotinados tentassem soltar os presos.<br />
Antonio Rabelo foi <strong>de</strong> parecer que se não procurasse dissolver os ajuntamentos.<br />
- On<strong>de</strong> temos nós gente suficiente para dissolver essas multidões numerosas, Sr. Capitão? Perguntou ele a<br />
Cosme. Guarnecem a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>zesseis praças unicamente. Se daqui arredarem o pé, o povo levantado virá<br />
abrir as prisões, e aumentará com os criminosos o seu numero e a sua ferocida<strong>de</strong>. Vós não ten<strong>de</strong>s ai convosco<br />
mais <strong>de</strong> vinte or<strong>de</strong>nanças. Julgais que com tão pequena força po<strong>de</strong>remos bater os rebel<strong>de</strong>s e ficar senhores do<br />
campo?<br />
- Basta uma corrida forte e violenta sobre os inimigos, para que, cobrando medo, se dispersem.<br />
- Estais enganado. Eles são muitos e não lhes faltam armas. Armas? Não as têm.<br />
Têm-nas, Sr. capitão., têm-nas. Reparai nos que passam. Haveis <strong>de</strong> ver cada um com seu arcabuz. Os<br />
mascates fizeram e fazem larga distribuição <strong>de</strong>las por seus asseclas. O que me espanta é que ainda não se<br />
tenham lembrado <strong>de</strong> vir atacar este posto, tão fraco quão arriscado.<br />
Mal tinha Antonio Rabelo acabado estas palavras, quando uma massa negra começou a aparecer no principio<br />
da rua.<br />
Deus queira que eu me engane. Mas, ao que parece, vem ali gente para nos dar que fazer toda esta noite -