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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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<strong>de</strong> 25 homens.<br />

Longe <strong>de</strong> o chamar á razão, o tiro, que mais parece Ter sido aviso <strong>de</strong> prudência do que meio <strong>de</strong> dar cabo do<br />

po<strong>de</strong>roso inimigo, visto que, se esta fora a intenção, não teriam posto na arma tão pequena carga que, não<br />

obstante ser muito curta a distancia, a bala produziu unicamente no governador ligeira escoriação, serviu antes<br />

para o arrojar <strong>de</strong> uma vez no caminho do atentado. Bastava Ter contra se suspeita <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> no nefando<br />

<strong>de</strong>lito da Rua-das-aguas-ver<strong>de</strong>s para qualquer ser atirado a horrorosa prisão. O capitão André Dias <strong>de</strong><br />

Figueiredo foi talvez preso como cúmplice, unicamente por Ter por nome o mesmo que o do juiz ordinário<br />

que em 1666 intimou ao governador Mendonça Furtado a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão em nome do rei. Enfim, foram<br />

tantos os excessos do governador Caldas, agora mandando abrir <strong>de</strong>vassas, agora or<strong>de</strong>nando prisões in<strong>de</strong>vidas;<br />

ora estabelecendo presídios, como fez em S.Lourenço-da-mata e em Santo_Antão, ora <strong>de</strong>terminando que o<br />

povo fosse <strong>de</strong>sarmado sem ter em atenção sequer estar iminente a invasão francesa, segundo acertadamente<br />

pon<strong>de</strong>ra o nosso cronista, que, antes do dia 5 <strong>de</strong> novembro, em que <strong>de</strong>via romper a revolução, rebentou esta<br />

por ocasião <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r o capitão João da Mota pren<strong>de</strong>r o capitão-mór <strong>de</strong> Santo-Antão Pedro Ribeiro da<br />

Silva. Foi em 2 do dito mês que, em lugar <strong>de</strong> Mota pren<strong>de</strong>r Ribeiro quando este ia ouvir missa na matriz, o<br />

sitiou ele em seu próprio presidio e o obrigou a capitular com a condição <strong>de</strong> não voltar ao Recife enquanto o<br />

povo, que tratava <strong>de</strong> reunir-se, não <strong>de</strong>scesse a atacar a vila novamente criada. Enfim, no Domingo (10 <strong>de</strong><br />

novembro) uma multidão passante <strong>de</strong> 2.000 matutos tomou o Recife, e como não encontraram ai o<br />

governador, foram aquartelar-se em Olinda, senhores da situação. Caldas tinha fugido <strong>de</strong> véspera para a Baia<br />

sem Ter cumprido a sua promessa <strong>de</strong> embeber, antes <strong>de</strong> partir, a sua espada em corações pernambucanos.<br />

Foi logo chamado a tomar as ré<strong>de</strong>as do governo, visto vir apontado na carta regia que prevenia as vacâncias, o<br />

bispo d. Manoel Alvarez da Costa que se havia retirado, em visita pastoral, para a Paraíba com o ouvidor dr.<br />

José Ignácio <strong>de</strong> Arouche pouco simpático aos do Recife por não Ter querido convir na ampliação do termo.<br />

D. Manoel volta a Olinda e assume o exercício do novo cargo em 15 <strong>de</strong> novembro. O primeiro ato do seu<br />

governo foi perdoar aos povos a sublevação e o tiro dado em Sebastião <strong>de</strong> Castro Caldas.<br />

Como era natural, o perdão irritou os parciais do governador Caldas, os quais, não só pelos ódios próprios,<br />

mas também pelas reiteradas sugestões que lhes chegavam do mesmo governador para que, por sua vez,<br />

rompessem contra os do outro partido, assegurando-lhes que o rei não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> levar a bem semelhante<br />

serviço, não pensaram senão em tomar estrondoso <strong>de</strong>sforço. Ou porque acreditassem piamente no que<br />

escrevia Caldas, ou porque o seu ódio não tinha outro objetivo que o <strong>de</strong> aniquilar a nobreza, a quem <strong>de</strong>viam<br />

tão gran<strong>de</strong> revez, que os havia prejudicado em seus interesses e em sua política, os europeus, que esposavam a<br />

causa da reação, alimentavam em silencio os seus projetos <strong>de</strong> vingança e aparelhavam-se com sagacida<strong>de</strong> e<br />

tino para o rompimento formal. Neste intuito levaram muitos meses a prover-se <strong>de</strong> mantimentos. A farinha, o<br />

feijão, o milho, o arroz, o açúcar, a carne, o peixe entravam todos os dias para os seus armazéns, on<strong>de</strong><br />

ficavam em bom recato. Finalmente, no dia 18 <strong>de</strong> junho, aos gritos <strong>de</strong> puseram eles nas ruas a revolta, tomaram conta das fortalezas do Brum, Buraco, e Cincopontas, e<br />

no pressuposto <strong>de</strong> restaurarem a perdida autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caldas, consi<strong>de</strong>raram o bispo suspenso <strong>de</strong> suas<br />

atribuições e o recolheram no colégio dos jesuítas. Nomeando um governo monstruoso, composto <strong>de</strong> João da<br />

Mota e <strong>de</strong> um preto mestre <strong>de</strong> campo do Terço-dos-Henriques, obrigaram o bispo a assinar or<strong>de</strong>ns que<br />

importaram em os assegurar na posse da situação, assim violentamente roubada á legalida<strong>de</strong>.<br />

Fosse porém qual fosse o verda<strong>de</strong>iro motivo da reunião no engenho Bujari, o certo é que nunca em sua casa<br />

reuniu João da Cunha tão numeroso concurso <strong>de</strong> pessoas escolhidas, com ser costume <strong>de</strong> longa data<br />

ajuntarem-se ai por S.João moradores <strong>de</strong> conta do lugar.<br />

Não só por ser po<strong>de</strong>roso, senão também por ser homem <strong>de</strong> resolução e <strong>de</strong> gênio arrebatado, era João da Cunha<br />

muito temido em todo aquele termo.<br />

Uma tradição <strong>de</strong> sangue dava a seu nome e família triste celebrida<strong>de</strong>. Contava-se que varias pessoas, das<br />

quais algumas por faltas muito leves, tinham sido mandadas matar por sua or<strong>de</strong>m e enterrar <strong>de</strong>pois na<br />

bagaceira. Mais <strong>de</strong> um negro tinha morrido nos açoites, e <strong>de</strong> um até se dizia que fora atirado vivo, não<br />

sabemos por que motivo, na fornalha do engenho, on<strong>de</strong> morreu queimado.<br />

Naqueles tempos tradições semelhantes, em vez <strong>de</strong> diminuírem o tamanho moral do herói <strong>de</strong>ssas repugnantes<br />

ilíadas, recomendavam aos povos os sanguinários Achiles, que por este modo se faziam conhecer e celebrizar.<br />

Por isso todos tinham pelo senhor do engenho Bujari profundo respeito; e se seu nome não vem apontado nas<br />

incompletas chronicas do tempo, como muitos outros, que não obstante pertencerem a notáveis sujeitos,<br />

ficaram inteiramente esquecidos, a tradição ainda o não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong> todo no pó on<strong>de</strong> jazem<br />

sepultados os que por circunstancias inexplicáveis não pu<strong>de</strong>ram sobreviver aos acontecimentos.<br />

Recebendo a influencia do tempo, da educação, dos preconceitos inveterados e dos exemplos <strong>de</strong> todo o dia, a<br />

mulher <strong>de</strong> João da Cunha, d. Damiana, que procedia, como seu marido, <strong>de</strong> troncos limpos, não lhe cedia a

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