O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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Itamaracá por or<strong>de</strong>m do governo <strong>de</strong> Olinda para acabar com os mascates. Eu vinha fora <strong>de</strong> mim, minha<br />
mulher. Nem tu sabes o que fizeram os ladrões, ao passarem pelo Cajueiro. Que fizeram eles?<br />
- Queimaram a nossa casa, mulher, a nossa casinha, que nunca lhes fez mal.<br />
A nossa casinha! Que dizes tu, Francisco? Pois esses en<strong>de</strong>moniados chegaram a queimar a nossa moradinha<br />
<strong>de</strong> casa? Oh meu Deus! Cada um havia <strong>de</strong> Ter sua parte nessa <strong>de</strong>sgraça geral?! Até o nosso suor havia <strong>de</strong><br />
pagar pelos males dos outros?! Mas isso não há <strong>de</strong> ficar assim. Deus há <strong>de</strong> castigar esses malvados, essas<br />
feras malfazejas!<br />
- E que novas me dás tu <strong>de</strong> Lourenço?<br />
- Anda ai mesmo pela vila com seu Cosme, lutando com os mascates. Mas a minha casa, a minha casinha tão<br />
bonitinha! Tudo queimado e <strong>de</strong>struído! Ah! malvados do inferno! A luz há <strong>de</strong> faltar a vocês na hora da morte.<br />
- E as lagrimas arrasaram os olhos <strong>de</strong> Marcelina, que tinha nas faces pali<strong>de</strong>z mortal, nos olhos a expressão <strong>de</strong><br />
profunda e entranhável dor. Não chores, mulher. Foi-se uma, faz-se outra casa. E a minha caixa teria ardido<br />
também?<br />
- Qual caixa?<br />
- A nossa caixa, aquela on<strong>de</strong> tu guardavas o dinheiro. Se não a tiraste antes, ar<strong>de</strong>u também. Tudo lá estava em<br />
cinzas.<br />
- Ah Lourenço, lá se foi a tua fortuna. Era na caixa que eu tinha guardado o papel que me <strong>de</strong>u seu padre<br />
Antonio no momento da <strong>de</strong>spedida. Que papel era esse?<br />
Vamos ao Cajueiro, Francisco. Talvez ainda se possa salvar alguma coisa. Tem paciência. Agora não é<br />
possível o que queres. Vou aqui servindo <strong>de</strong> guia à tropa. Mas se queres ir, vai. Aqui te <strong>de</strong>ixo o cavalo,<br />
coitado! que já não po<strong>de</strong> andar <strong>de</strong> enfadado. Vê como vais, Marcelina. Se vires alguém que te possa ofen<strong>de</strong>r,<br />
mete-te no mato. Eu hei <strong>de</strong> dar contigo on<strong>de</strong> estiveres. Vou direitinho à minha casa. Mas antes que me<br />
esqueça, quero dizer-te uma coisa: vê se po<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobrir sinhá d. Damiana que seu Antonio Coelho pren<strong>de</strong>u e<br />
levou consigo para entregar à justiça. Pobre senhora!<br />
Francisco alcançou logo adiante a tropa, enquanto Marcelina, tendo arregaçado as saias, saltara sobre a<br />
cangalha e pusera o cavalo para trás.<br />
A tropa que Francisco tinha guiado não era senão uma parte das forças comandadas pelo ajudante-<strong>de</strong>-tenente.<br />
Tinha este planejado, antes <strong>de</strong> entrar na vila, formar um como cerco que avançasse das ruas <strong>de</strong> fora para as <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro, a fim <strong>de</strong> apertar e sufocar a insurreição, <strong>de</strong> modo que ela não tivesse por on<strong>de</strong> escapar.<br />
Obe<strong>de</strong>cendo a este intuito, Gil Ribeiro dividiu as forças em duas colunas, e, ficando com a mais forte,<br />
entregou o comando da outra ao ajudante Filipe Ban<strong>de</strong>ira com o alferes Carlos Teixeira. Ele fez a sua entrada<br />
pelo lado do oci<strong>de</strong>nte, e um quarto <strong>de</strong> hora <strong>de</strong>pois entrava no Pátio-do-Carmo pelo lado do rio. Ao mesmo<br />
tempo a coluna comandada pelo ajudante Filipe Ban<strong>de</strong>ira, e habilmente encaminhada por Francisco,<br />
<strong>de</strong>sembocava ai pelo Beco-do-limoeiro. As forças inimigas estavam ainda no Pátio-do-Carmo, tendo à sua<br />
frente Luiz Soares, Gonçalo Ferreira, e os mais importantes mascates, seus parciais.<br />
João da Cunha, Luiz Vidal e Filipe Cavalcanti, eram conduzidos à ca<strong>de</strong>ia por Jeronimo Paes no momento em<br />
que as duas colunas <strong>de</strong>sembocaram no pátio. Eles <strong>de</strong>viam ficar ali ocupando o lugar dos criminosos que a<br />
multidão ainda não tinha podido soltar, em conseqüência da tenaz resistência <strong>de</strong> Antonio Rabelo. A <strong>de</strong>mais<br />
nobreza, menos Cosme Bezerra, Jorge Cavalcanti e Manoel <strong>de</strong> Lacerda que já se achavam <strong>de</strong> volta novamente<br />
à vila para bater os invasores, tinha fugido para o mato. Todavia Gil encontrou já uma nova reação<br />
principiada contra os amotinados. Gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> cidadãos pacíficos, indignados com a cena do saque,<br />
tinham-se armado, e começavam a bater os que continuavam a praticá-lo. De sorte que alguns pontos, por<br />
on<strong>de</strong> passaram as duas colunas, as receberam com vivas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> contentamento.<br />
Enfim, seriam <strong>de</strong>z horas da manhã quando o ajudante-<strong>de</strong>-tenente atacou os revoltosos. O povo é vário como<br />
as ondas. Não foi preciso muito para que, operando-se o quase fatal reviramento, logo se <strong>de</strong>clarasse pelos<br />
vencidos.<br />
Rompeu vivíssimo fogo <strong>de</strong> uma parte sobre a outra. Mas os matutos bisonhos, cansados e quase famintos que<br />
constituíam as forças <strong>de</strong> Luiz Soares, não podiam resistir por muito tempo às forças frescas, a<strong>de</strong>stradas no<br />
manejo das armas e impacientes por darem tremenda lição, que trazia Gil.<br />
Luiz Soares, em pouco tempo convencendo-se <strong>de</strong> que a sua estrela atingia o ocaso, tratou da retirada.<br />
Esta operou-se por <strong>de</strong>ntro do próprio convento do Carmo. Os fra<strong>de</strong>s, ainda <strong>de</strong>sta vez com as armas nas mãos,<br />
protegeram a causa dos estrangeiros.<br />
Mas não foi pequeno o numero dos mortos e feridos que <strong>de</strong>ixavam os que fugiam com medo <strong>de</strong> sua própria<br />
sombra.<br />
No mais aceso do combate, Francisco correra a soltar os três fidalgos que eram conduzidos por um troço<br />
dirigido por Jeronimo Paes e seus três filhos.