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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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gran<strong>de</strong> nem tão bem sucedida. Aquela natureza, a modo <strong>de</strong> morna e indolente, acen<strong>de</strong>u-se para a luta, e com<br />

suas próprias forças po<strong>de</strong> triunfar <strong>de</strong> se mesma. O espirito dominou tiranamente o coração. O bom senso<br />

impôs silencio ao <strong>de</strong>sprezado afeto. Poucas lutas interiores já foram maiores em uma mulher ignorante e <strong>de</strong><br />

vulgar condição do que a sustentá-la nesse asfixiar <strong>de</strong> um amor imenso que morria às mãos <strong>de</strong> quem o <strong>de</strong>via<br />

ameigar e chegar bem ao seio, como fazia às rolinhas gentis <strong>de</strong> casa. Pelo proce<strong>de</strong>r da filha veio Jeronimo a<br />

conhecer que seus <strong>de</strong>sejos e esperanças estavam longe <strong>de</strong> ser preenchidos. O <strong>de</strong>scontentamento, o pesar<br />

trouxe a frieza, não a quebra das relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> que o prendiam ao negociante. Esta frieza durou pouco,<br />

porque <strong>de</strong> certo dia em diante Coelho, fazendo-se mais assíduo em casa do marchante, reanimou, por seu<br />

modo <strong>de</strong> tratar Zefinha, no espirito do pai <strong>de</strong>la a quase <strong>de</strong> todo extinta esperança. Se para Ter explicação <strong>de</strong>sta<br />

rápida e inesperada mudança o marchante houvesse podido penetrar no espirito <strong>de</strong> Coelho, teria achado aí a<br />

seguinte or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias: Despeitado com João da Cunha, voltava-se para Jeronimo, fazia-o entrever a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir ele Coelho a casar com Zefinha, e por este meio chamava para seu lado o primeiro<br />

elemento <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> aos nobres <strong>de</strong> Goiana, o dito Jeronimo, que por seus sentimentos francamente<br />

populares, era o homem mais próprio para levantar as massas e encaminhá-las ao fim que lhe aprouvesse.<br />

Fosse que, <strong>de</strong>sconhecendo a política tortuosa e dissimulada que certos homens, práticos em explorar<br />

as paixões alheias, usam no seu próprio interesse, se prestava <strong>de</strong> boa fé ao calculo do jovem europeu; fosse<br />

que obe<strong>de</strong>cia simplesmente a impulsos do seu coração, votado ao povo por quem era capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rramar a<br />

ultima gota do seu sangue; fosse que só tinha em mente, concorrendo com todos os auxílios possíveis a<br />

Coelho, penhorá-lo pela gratidão, a fim <strong>de</strong> tornar fácil a retribuição dos seus serviços com o <strong>de</strong>sejado<br />

consorcio, o certo é que Jeronimo se i<strong>de</strong>ntificou com a causa dos mascates fervorosamente, arrastando após<br />

<strong>de</strong> se seus filhos, amigos, afeiçoados, o próprio povo, segundo se vê pela história.<br />

O que se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar fora <strong>de</strong> duvida é que Antonio Coelho não tinha gran<strong>de</strong> empenho no<br />

aniquilamento da nobreza, mas no <strong>de</strong> um nobre, João da Cunha, nem pensava verda<strong>de</strong>iramente em outra<br />

mulher que não fosse d. Damiana. Completemos com algumas palavras mais o esboço <strong>de</strong>sse caracter, que<br />

vem na historia da guerra a par com o <strong>de</strong> Jeronimo Paes.<br />

Tendo chegado ao Brasil <strong>de</strong> pequena ida<strong>de</strong>, cedo revelou Coelho particulares propensões para a vida<br />

comercial, pelos progressos que fez. Quando João da Cunha o conheceu, era ele caixeiro em um dos armazéns<br />

do Recife. Ou por suas feições e maneiras atrativas, ou por seu talento que talvez fosse ainda mais atrativo do<br />

que as feições, o certo que o senhor-<strong>de</strong>-engenho, simpatizando vivamente com ele, convidou-o para recebedor<br />

<strong>de</strong> seus açucares em Goiana, convite que o jovem Antonio aceitou, atentas as vantagens prometidas pelo<br />

sargento-mór. Ali os seus serviços cedo atraíram-lhe tantos créditos que em poucos anos Coelho foi<br />

geralmente estimado na vila, e conhecido no Recife; teve entrada nas principais casas comerciais <strong>de</strong>stes dois<br />

centros; enfim tratou <strong>de</strong> estabelecer-se por sua conta. Revelando suas intenções a João da Cunha, em vez <strong>de</strong><br />

se opor a elas, o senhor-<strong>de</strong>-engenho fez que ele as realizasse logo, e a este efeito lhe prestou os necessários<br />

auxílios.<br />

Coelho teria por então seus vinte anos. Era elegante e bem parecido. Tinha sedução no olhar, e graça<br />

especial na conversação. Sabia <strong>de</strong> cor paginas <strong>de</strong> Palmeirim-da Inglaterra e as repetia tão possuído das<br />

gentilezas namoradas que enchem a obra <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Moraes, que mais valia ouvi-las ao moço português<br />

do que as ler no próprio autor. Sentindo particular predileção pelos nobres em cujas relações se ufanava <strong>de</strong><br />

aparecer ligado, foi pouco a pouco ascen<strong>de</strong>ndo da esfera opaca on<strong>de</strong> principiara a vida, às alturas douradas em<br />

que calculava colocar-se <strong>de</strong>finitivamente como um dos astros que formavam a constelação. Seus dotes<br />

pessoais granjearam-lhe as inclinações das jovens damas e a benevolência dos cavalheiros <strong>de</strong> seu<br />

conhecimento. Por então d.Damiana, solteira ainda, passava temporadas, como já se referiu, em casa <strong>de</strong> João<br />

da Cunha. Era muito nova mas trazia já em torno <strong>de</strong> se um circulo <strong>de</strong> adoradores em cujo numero Coelho<br />

soube aparecer tão conspicuamente que, passados alguns meses, os outros bateram em retirada, <strong>de</strong>ixando-o<br />

senhor exclusivo do campo. É porém <strong>de</strong> notar que nem a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> d. Damiana nem os costumes da época<br />

<strong>de</strong>ram lugar a que ela tivesse conhecimento ou sequer suspeita <strong>de</strong>ssa luta travada entre os primeiros jovens<br />

assim agricultores como comerciantes da vila. Contavam-se por sua rarida<strong>de</strong> as reuniões familiares que se<br />

efetuavam na roda do ano ainda nas casas ricas; e mesmo nessas reuniões era tão respeitoso e cortês o trato<br />

entre os cavalheiros e as damas que, para assim escrevermos, o amor, ao contrário do que hoje acontece em<br />

nossos salões, mais se fazia adivinhar do que <strong>de</strong>clarava. Todavia, por ocasião <strong>de</strong> uma festa do orago da<br />

freguesia, em que houve cavalhadas e fandango, na qual se achou d. Damiana, po<strong>de</strong> Coelho fazer-lhe<br />

protestos <strong>de</strong> amor, que, em sua mente, foram por ela bem aceitos. Mas veio logo o <strong>de</strong>sengano com a recusa<br />

que o leitor sabe. Sendo até ai um dos primeiros amigos da nobreza e seu comensal, converteu-se Coelho em<br />

seu acérrimo inimigo. O ódio que começou a votar a João da Cunha, foi tanto mais intenso e profundo quanto<br />

tinha ele para se que nenhum outro, a não ser o senhor-<strong>de</strong>-engenho, po<strong>de</strong>ria triunfar <strong>de</strong> seu triunfo. O golpe

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