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O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio

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Olinda, 19 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1711. - André da Cunha.><br />

- Meus amigos - disse João da Cunha dobrando a carta e metendo-a em um dos escaninhos da secretaria - foi<br />

menos para tomar<strong>de</strong>s parte no meu prazer do que na <strong>de</strong>sgraça da pátria, que me pareceu mandar chamar-vos á<br />

minha casa. Estão consternadoras para nós - os pernambucanos - as coisas publicas. Comandada a força<br />

militar por Miguel Correa, Manoel Clemente, Euzebio <strong>de</strong> Oliveira e Antonio <strong>de</strong> Souza Marinho, mascates<br />

conhecidos como odientos por todos nós, aos filhos da terra não nos resta, a meu parecer, outro recurso que o<br />

<strong>de</strong> lançarmos mãos das armas. Devemos acudir com as nossas fabricas e moradores, ao lugar do perigo, e ai<br />

castigar a audácia dos rebel<strong>de</strong>s. Este recurso <strong>de</strong>ve ser usado sem perda <strong>de</strong> tempo. Dar pancada mortal na<br />

cabeça da cobra peçonhenta.<br />

Não obstante ser mais forte João da Cunha em preconceitos <strong>de</strong> fidalguia do que em eloquência, dote que vem<br />

do berço mas que a cultura acrescenta e apura, suas palavras ressoaram, como ecos <strong>de</strong> discurso divino, nos<br />

corações dos amigos.<br />

Entre estes viam-se alguns que eram mais bem versados em letras e em orações incendiarias do que o<br />

sargento-mór.<br />

Contava-se neste numero Cosme Bezerra <strong>de</strong>ntre todos os que ali se achavam o mais ar<strong>de</strong>nte membro da<br />

nobreza, e o que, por sua força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> espirito, maior nome <strong>de</strong>ixou nas crônicas do tempo,<br />

porque, <strong>de</strong>gredado para a Índia em 1713, dai não voltou mais á sua pátria. Era juiz ordinário e capitão <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nanças. Tinha a presença atrativa e gestos largos e arrebatados.<br />

Cosme Bezerra, que foi dos primeiros que reagiram contra os mercadores, como dos que sofreram as<br />

conseqüências <strong>de</strong>ssa reação, quis tomar a mão em seguida do sargento-mór; mas antecipou-se-lhe Manoel <strong>de</strong><br />

Lacerda, ex-alcai<strong>de</strong>-mór; emprego que <strong>de</strong>vera a seus longos e distintos méritos.<br />

- Estou <strong>de</strong> acordo convosco, disse Lacerda a João da Cunha. Querem gran<strong>de</strong> e ru<strong>de</strong> lição esses que só têm<br />

recebido <strong>de</strong> nós hospitalida<strong>de</strong> e favores? Pois satisfaçamos á sua vonta<strong>de</strong>. Não gosto <strong>de</strong> violências; mas<br />

quando sagrados direitos andam em perigo, não olho a <strong>de</strong>sastres nem espero pelo dia <strong>de</strong> amanhã. O fogo, o<br />

sangue, a morte não me amedrontam, nem o receio <strong>de</strong> ser vitima na luta me retém no regaço morno da vida<br />

domestica.<br />

- Demais, observou Cosme Bezerra, que estava impaciente por manifestar-se sobre o assunto, nas atuais<br />

circunstancias a guerra é inevitável. Certo, os mascates a esperam. Se nós não formos leva-la a eles, hão <strong>de</strong> vir<br />

eles traze-la a nós. Das fortalezas passarão ás estradas, e por estas virão Ter ás vilas mais importantes e<br />

enriquecidos, menos pela gran<strong>de</strong>za do seu trabalho do que do nosso coração e da nossa complacência<br />

projetam sobre as ruínas da agricultura, levantar em pe<strong>de</strong>stais <strong>de</strong> ouro o seu comercio ilícito e plebeu. Quem<br />

julgar que eles ficam ai, engana-se. eles põem a mira em completar a obra do <strong>de</strong>smoronamento<br />

pernambucano, <strong>de</strong>rramando o sangue daqueles que com os nobres portugueses, e não com a gentalha <strong>de</strong><br />

Portugal, sustentaram no mar e nos campos <strong>de</strong> batalha a honra e o po<strong>de</strong>r da lusa monarquia. Hão <strong>de</strong> ir mais<br />

longe ainda, porque em seu bestunto supõem, e até o dizem, que somos tão selvagens como os índios que eles<br />

<strong>de</strong>struíram ou escravizaram. Armarão ciladas a nossa honra, tentarão manchar nossas famílias. Em seus<br />

tenebrosos plenos, tem mais lugar a idéia <strong>de</strong> enxovalhar do que a <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a fidalguia, que os admitiu em<br />

sua terra, levada <strong>de</strong> dó pela miséria <strong>de</strong>les. E havemos <strong>de</strong> consentir em que esta baixeza sem nome se tente<br />

praticar ainda que não passe da tentativa? De modo nenhum. Cá por mim estou prestes para a luta e entendo<br />

que é tempo <strong>de</strong> a travar com esses vis e ingratos hospe<strong>de</strong>s.<br />

- Este pontos está fora <strong>de</strong> duvidas, acrescentou Filipe Cavalcanti. Mas o essencial é assentarmos nos meios <strong>de</strong><br />

ferir a batalha. Temos gente pronta para seguir á metrópole da capitania? Convirá seguirmos? Ou será mais<br />

pru<strong>de</strong>nte esperarmos que <strong>de</strong> lá se nos peça o auxilio das nossas forças! A meu parecer são estes os pontos<br />

mais importantes e graves da presente conjuntura.<br />

- E que mais esperaremos? Inquiriu Jorge Cavalcanti. A luva está atirada, e embora nos venha <strong>de</strong> vilão,<br />

cumpre-nos apanhá-la para castigarmos a vilania.<br />

- A nobreza da capital, ajuntou Cosme Bezerra, está ameaçada. A tardança no socorro po<strong>de</strong>rá trazer males<br />

irremediáveis.<br />

Estava neste ponto a discussão, quando Matias Vidal tomou a mão, e disse:<br />

- Senhores, tudo o que acabo <strong>de</strong> ouvir <strong>de</strong> vossas bocas, parece-me inspirado pelo principio da própria<br />

conservação <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós, pela dignida<strong>de</strong> da nobreza pernambucana, e pelo amor da terra <strong>de</strong> que os<br />

forasteiros querem assenhorear-se. Mas quem nos afiança que não estamos já ameaçados também <strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>rmos as nossas vidas e proprieda<strong>de</strong>s? Honroso seria corrermos imediatamente á capital, afim <strong>de</strong><br />

reforçarmos a sua <strong>de</strong>fesa; mas um <strong>de</strong>ver que me parece superior a todos, exige talvez a nossa presença no seio<br />

das nossas famílias. Teremos acaso tão seguros estes penhores da nossa estima que possamos, sem risco,<br />

<strong>de</strong>ixa-los entregues a se próprios, enquanto vamos auxiliar os nossos parentes e amigos longe daqui?

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