O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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se <strong>de</strong>ve fazer, meus amigos? Devemos ir ao encontro dos rebel<strong>de</strong>s, ou esperar que eles nos venham buscar a<br />
nossas casas?<br />
Após um momento, respon<strong>de</strong>u o ex-alcai<strong>de</strong>-mór:<br />
- O que entendo que se <strong>de</strong>ve fazer é cuidar, sem perda <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> pôr em armas cada um <strong>de</strong> nós a sua gente<br />
para o que possa acontecer.<br />
- Sairemos ou ficaremos?<br />
- Esperaremos prestes para dar-lhes lição tremenda.<br />
Para andarmos seguros, parece-me conveniente que se man<strong>de</strong> um próprio, sem perda <strong>de</strong> tempo, a Olinda, a<br />
fim <strong>de</strong> sabermos dos amigos se são precisos os nossos serviços. A sua resposta nos servirá <strong>de</strong> guia.<br />
- Acho muito acertado este ultimo alvitre, indicado por Felipe - disse Cosme Bezerra.<br />
- Pois bem, disse João da Cunha. Seja este o nosso primeiro passo.<br />
A sala em que se achavam conferenciando sobre o grave assunto os principais vultos da nobreza <strong>de</strong> Goiana,<br />
tinha janelas que caiam sobre o pomar. Distante <strong>de</strong>ste algumas braças passava o rio, aquela noite aumentado<br />
pelas chuvas dos dias anteriores. De seu natural escasso, volvia agora barrentas e volumosas águas que<br />
estavam lavando as estivas das toscas pontes que o atravessavam.<br />
Mal acabara <strong>de</strong> falar Cosme Bezerra, quando chegou á sala o ruído que produziam as águas cortadas por um<br />
cavaleiro.<br />
Em qualquer engenho nada é mais natural do que semelhantes rumores. Fosse porém porque se achavam<br />
sobreexcitados os espíritos pelo objeto da conversação, fosse porque o rumor tinha o quer que era particular e<br />
estranho, o certo é que João da Cunha julgou pru<strong>de</strong>nte chegar á janela, a fim <strong>de</strong> saber quem era que o<br />
produzia.<br />
Ao clarão das fogueiras, <strong>de</strong> que a esse tempo já se atiravam aos ares longas línguas <strong>de</strong> fogo, reconheceu ele<br />
quem chegava.<br />
Voltou-se então para os circunstantes, que guardavam silencio, e lhes disse com certo tom <strong>de</strong> voz, em que não<br />
seria difícil adivinhar três impressões diferentes - prazer, incerteza e ansieda<strong>de</strong>:<br />
- Vamos Ter noticias frescas <strong>de</strong> Olinda.<br />
Com pouco um matuto penetrou no aposento on<strong>de</strong> se estava celebrando a conferencia, e entregou a João da<br />
Cunha um pacote <strong>de</strong> papeis.<br />
O matuto era Francisco.<br />
XIII<br />
O S.João, do mesmo modo que o natal, é festa essencialmente popular e campestre. Cada uma <strong>de</strong>stas duas<br />
festas, com especialida<strong>de</strong> porém a primeira, leva vantagem á da páscoa , que, com ser comemorativa da<br />
ressurreição do proto-martir, <strong>de</strong> quem só nos ficaram exemplos <strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> e singeleza, assumiu formas<br />
aristocráticas, e pertence hoje mais ao palácio e á cida<strong>de</strong> do que á choupana e ao povoado.<br />
O engenho Bujari dava em 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1711 testemunho <strong>de</strong>sta verda<strong>de</strong>. Não havia casa <strong>de</strong> lavrador ou <strong>de</strong><br />
morador em que das 6 para as 7 horas da tar<strong>de</strong> o prazer não tivesse <strong>de</strong>sabrochado entre risos e folgança.<br />
João da Cunha, com ser <strong>de</strong> seu natural <strong>de</strong> poucos amigos, tinha em suas terras muitos lavradores e foreiros.<br />
Alguns escolhiam, para se fixar, as terras do engenho Bujari, e havia razão para esta preferencia. João da<br />
Cunha era ríspido, exigente e até po<strong>de</strong>r-se-há dizer - mau. Mas tinha uma gran<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, que em certo<br />
modo atenuava os seus gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>feitos. Bulir com um morador do seu engenho era o mesmo que bulir com<br />
ele próprio. Excedia os limites da <strong>de</strong>fesa quando algum <strong>de</strong>les era ofendido. Tomava parte pelo morador em<br />
publico, ia pessoalmente aos juizes, para que or<strong>de</strong>nassem o castigo do <strong>de</strong>linqüente, gastava do seu dinheiro<br />
com o pobre e sua família, enfim, <strong>de</strong>ixava o papel <strong>de</strong> tirano e representava ao vivo o <strong>de</strong> pai ou zeloso protetor.<br />
Por esta razão particularmente, e porque das magnificas situações que se apontavam em <strong>de</strong>rredor <strong>de</strong> Goiana<br />
on<strong>de</strong> os engenhos ainda não eram numerosos, as melhores lhe pertenciam, muitos eram os seus moradores,<br />
entre os quais alguns abastados. Ao numero dos que o eram menos, pertencia Victorino.<br />
Na hora em que se discutiam, com a gravida<strong>de</strong> que vimos, os interesses das famílias goianistas <strong>de</strong> primeira<br />
representação, Lourenço <strong>de</strong>scavalgava á porta <strong>de</strong> Victorino.<br />
Ai se estava festejando a noite com todo o entusiasmo e calor do estilo. As filhas do dono da casa faziam as<br />
honras aos hospe<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> que já havia um bom numero no momento em que Lourenço penetrou na salinha.<br />
Lourenço foi entrando, e foram eles logo oferecendo a ele espigas <strong>de</strong> milho ver<strong>de</strong> quebradinhas meia hora<br />
antes no roçado próximo e assadas na fogueira que iluminava o pátio e a frente da casa.