O Matuto, de Franklin Távora Fonte: TÁVORA, Franklin ... - Saco Cheio
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violentos do maior <strong>de</strong>sgosto que ela tinha sentido até esse momento na vida. Eu tudo vi da casa gran<strong>de</strong>, disse<br />
ele. Miserável!<br />
E logo acrescentou, <strong>de</strong>scobrindo umas cinquenta braças adiante <strong>de</strong> se o Tunda-Cumbe, já a per<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> vista,<br />
pela veloz corrida do cavalo, por entre o mato com a Bernardina atravessada sobre as pernas:<br />
- Ou tu me matas, ou tu morres!<br />
- Ah! minha filha, minha querida filha! dizia Joaquina, carpindo-se na sua gran<strong>de</strong> aflição. E on<strong>de</strong> está<br />
Marianinha? Ó Marianinha? chamou a agoniada mãe.<br />
Dentre umas moitas emergiu então a alguns passos <strong>de</strong> Joaquina a rapariga, por quem ela acabava <strong>de</strong> chamar.<br />
Os matos tinham-lhe rasgado a coberta em que se envolvera na ocasião <strong>de</strong> fugir com medo do malfeitor.<br />
Vinha chorando, e estava pálida, triste, tremula. Do gran<strong>de</strong> susto o coração parecia querer sair-lhe pela boa.<br />
Ela semelhava rolinha espantada por tiro <strong>de</strong> caçador.<br />
- Minha mãe! minha mãe! Que <strong>de</strong>sgraça foi esta?<br />
- Não podia ser maior, minha filha.<br />
- Não fale assim, que ainda po<strong>de</strong> ser pior, minha mãe!<br />
- Olha. Lá vai o malvado com tua irmã.<br />
E Joaquina apontou para uma baixada, on<strong>de</strong> nesse momento apareceu o Tunda-Cumbe.<br />
- E lá vai meu pai, lá vai meu pai já a pegar seu Manoel Gonçalves. Oh meu Deus! Que é que me está<br />
dizendo baixinho, minha mãe?<br />
- Nada, Marianinha. estou rezando, para que Deus se lembre <strong>de</strong> nós neste cruel transe.<br />
De repente, aquela mãe e aquela filha, como se tivessem a mesma impressão e a mesma idéia, ou se<br />
<strong>de</strong>ixassem vencer pela mesma força intuitiva e fatal, <strong>de</strong>ram alguns passos violentos para diante, com os olhos,<br />
para não escrevermos o coração, a alma, postos nos dois cavalheiros que corriam na baixada. Ambas tinham<br />
visto o que ia na frente, voltar arrebatadamente o animal e esperar o segundo; tinham visto este atirar-se para<br />
aquele com sua arma <strong>de</strong> fogo em uma das mãos e na outra o facão <strong>de</strong>sembainhado; tinham ouvido a<br />
<strong>de</strong>tonação <strong>de</strong> um tiro, á qual se seguira uma nuvem <strong>de</strong> fumo que envolveu os dois contendores.<br />
Mas não se meteu muito que as mulheres recuaram espavoridas, levantando alto brado <strong>de</strong> dor, que atroou todo<br />
o <strong>de</strong>serto. O Tunda-Cumbe acabava <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer no mato com sua presa, enquanto Victorino ficava caído<br />
na baixada, estorcendo-se nas convulsões da morte.<br />
XXII<br />
O engenho, que ainda <strong>de</strong>fendido por Victorino, teria <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r-se às armas numerosas e práticas dos<br />
agressores , não podia, na ausência <strong>de</strong>le, sustentar-se a não ser por poucos momentos.<br />
De feito não era ainda <strong>de</strong> todo claro o dia, quando as portas da casa gran<strong>de</strong> abalada em seus fundamentos<br />
caiam a po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> machados e por cima <strong>de</strong>las entravam em borbotões os malfeitores impacientes pelo saque.<br />
Este foi feito com <strong>de</strong>sabrimento incrível. Aquela malta <strong>de</strong> homens perdidos que, no rancho do Sipó,<br />
explorados pelo chefe, se haviam acostumado a odiar os nobres e a cobiçar os seus haveres, <strong>de</strong>parava enfim,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esforços e tentativas malogradas, ocasião oportuna para matar a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> vingança e ouro que os<br />
abrasava. Para quase todos havia sabor especial nesta negra vitoria. A casa, que <strong>de</strong>struíam, saqueavam e<br />
humilhavam, era proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> João da Cunha, <strong>de</strong>ntre os nobres o mais odiado, por ser talvez o mais<br />
po<strong>de</strong>roso e vingativo <strong>de</strong>les. Por isso <strong>de</strong>stroem e aniquilam o que não lhes excita a ambição ou não po<strong>de</strong>m<br />
conduzir em seus sacos. Moveis preciosos são jogados das janelas ao pátio, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedaçam. Cada queda,<br />
cada <strong>de</strong>struição serve <strong>de</strong> objeto a in<strong>de</strong>centes motejos e dá lugar a indignos comentários. Enfim, longe iríamos<br />
se quiséssemos <strong>de</strong>screver as cenas aviltantes e lastimáveis que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> horas se representaram na<br />
aristocrática vivenda do sargento-mór.<br />
Tinham eles dado com o <strong>de</strong>posito dos vinhos - a rica a<strong>de</strong>ga do fidalgo - e já se entregavam aos <strong>de</strong>liciosos<br />
espíritos, quando, trêmulos e aterrados, entraram correndo alguns dos espias que, por or<strong>de</strong>m do Tunda-<br />
Cumbe, estavam vigiando nos cantos mais importantes do cercado.<br />
- Fujamos, fujamos, que ai vem uma gran<strong>de</strong> força.<br />
- Bem se dizia que ela havia <strong>de</strong> vir - disse Pedro <strong>de</strong> Lima.<br />
- Vamos a seu encontro - gritou Gonçalo Ferreira.<br />
- Não, não - replicou Pedro <strong>de</strong> Lima. ganhemos o mato sem <strong>de</strong>mora. Quando tiver passado, iremoa atrás <strong>de</strong>la,<br />
que ficará entre dois fogos - o nosso, pela retaguarda, e o <strong>de</strong> Luiz Soares pela vanguarda. Luiz Soares a esta<br />
hora, se entrou pelo Tanquinho, já <strong>de</strong>ve estar senhor da vila. Faremos a junção e queimaremos os pés-rapados<br />
um por um.